terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A democracia fugiu do controle?

Izaías Almada, no sítio CARTA MAIOR

Ainda é cedo para maiores projeções nessa ou naquela direção sobre os telegramas wikis ou sobre o papel representado por Julian Assange. Uma coisa é certa. A pergunta que se configura aos poucos e que o confronto entre a força avassaladora da nova informação eletrônica e a da velha mídia mundial a serviço do poder hegemônico do capitalismo nos coloca é a seguinte: a democracia representativa burguesa está fugindo ao controle de quem a tutela? O artigo é de Izaías Almada.

Um curioso artigo do jornalista espanhol Pascual Serrano publicado em “El Periódico de Catalunya” e reproduzido no site www.rebelion.org levanta uma questão interessante provocada pelos milhares de telegramas vazados pelo site Wikileaks na internet, mas que – de algum modo até intrigante – ultrapassa a polêmica criada na imprensa mundial diante do volume e do conteúdo ali exibidos.

Diz Serrano na introdução do seu texto que o fenômeno Wikileaks tem monopolizado numerosas análises e reflexões sobre o futuro da informação, da internet e da própria difusão de notícias. É natural. Como o direito à informação e à liberdade de imprensa se constituem em pilares, entre outros, da democracia tal qual a conhecemos e é praticada em boa parte do mundo ocidental, chama a atenção o fato de que parece se configurar com maior nitidez uma verdade que a hipocrisia de muitos ‘democratas’ procura esconder e maquiar há algum tempo: afinal existem informações e... informações. Como também existem concepções diferentes sobre a liberdade de imprensa.

Quando um país, como os Estados Unidos da América, apóia um golpe de estado contra um governo democraticamente eleito, o último exemplo é a deposição do presidente Manuel Zelaya em Honduras (mas a lista é imensa só nos últimos 50 anos), é justo encobrir ou negar essa informação? Em nome de quê? De quem? E a liberdade de imprensa onde é que fica? Os chamados segredos de estado só pesam em um dos pratos da balança?

Não é por acaso que o pensador e lingüista Noam Chomsky declara, a propósito dos recentes vazamentos no Wikileaks, que os governantes norte americanos tem profundo desprezo pela democracia, essa mesma da qual se orgulham e querem impor ao mundo através da força.

Muito a propósito, vejamos as recentes declarações do atual embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, em artigo escrito para o jornal Folha de São Paulo no dia 2 de dezembro passado: “O presidente Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton decidiram dar prioridade à revigoração das relações dos EUA no mundo. Ambos têm trabalhado com afinco para fortalecer as parcerias existentes e construir novas parcerias no enfrentamento de desafios comuns, das mudanças climáticas e da eliminação da ameaça das armas nucleares até a luta contra doenças e contra a pobreza.”

Obedecendo à orientação de Washington para minimizar os telegramas wikis, o blá, blá, blá retórico de Thomas Shannon é vazio de significado prático e recheado de conteúdo cínico. No contexto da América Latina, quais seriam esses desafios, senhor embaixador? O combate ao narcotráfico, por exemplo? Mas qual é o maior país consumidor de drogas pesadas no mundo e, portanto, grande sustentáculo do narcotráfico internacional, segundo relatórios da ONU? Os Estados Unidos da América. Qual o volume de dinheiro do narcotráfico branqueado em bancos norte americanos (e europeus)? Em termos mundiais, já ultrapassa a casa dos 400 bilhões de dólares por ano.

Quanto às mudanças climáticas, é sabido que até a presente data o país do Sr. Shannon ainda não assinou o Protocolo de Kyoto, criado em 1997 com o objetivo de reduzir a produção de gases poluentes, sendo os EUA o país que mais polui o meio ambiente mundial. Dispenso-me de comentar sobre o cinismo da “eliminação da ameaça de armas nucleares”. Repito aqui apenas a velha e surrada pergunta: por quê os EUA não dão o exemplo e começam a destruir o seu próprio arsenal nuclear? Sobre a luta contra a doença e a pobreza, o Sr. Shannon deveria olhar para dentro de seu próprio país e ver os estragos causados no sistema de saúde privatizado, tão bem avaliado pelo cineasta Michael Moore; ou avaliar o atual nível de desemprego e pensar nos imensos guetos de miséria espalhados pelo país, sobretudo entre afros descendentes e hispânicos.

O ainda referido artigo publicado na FSP é uma catilinária de parvoíces, eivada de frases vazias, mas sempre com aquela pontinha de arrogância com a qual os “nossos irmãos do norte” se acostumaram a tratar o mundo. Prestem atenção nessa simples e emblemática frase do embaixador norte americano no Brasil sobre os telegramas do Wikileaks, eivada de arrogância e ‘espírito democrático’: “Uma ação cuja intenção é provocar os poderosos pode, em vez disso, pôr em risco aqueles que não têm poder.” Ou seja: nós, os poderosos (leia-se EUA), se provocados, podemos pôr em risco os que não tem poder (o resto do mundo).

Mas é exatamente isso o que seu país já faz, senhor embaixador, com ou sem o Wikileaks. Como é que ficam os assassinatos de civis no Afeganistão e no Iraque? Quantos idosos, mulheres e crianças já morreram para receber (custa-me mais uma vez engolir o cinismo) a velha e empoeirada democracia de Abraham Lincoln? O que significa enviar dez mil soldados armados até os dentes para uma ajuda humanitária ao Haiti?

Volto agora ao jornalista Pascual Serrano. Sobre o debate entre defensores e críticos para saber se o site de Julian Assange comete uma irresponsabilidade com a e circulação de informação secreta, o jornalista espanhol considera que há uma simplificação do tema e que o modus operandi do próprio Wikileaks vem demonstrando que o assunto é mais complexo.

Serrano, sem mostrar duvidas quanto à veracidade dos tais telegramas, levanta a enigmática hipótese de se saber a razão pela qual, de início, o Wikileaks ofereceu de forma privilegiada e com exclusividade 250.000 documentos a cinco grandes meios de comunicação mundial, The New York Times, The Guardian, Der Spiegel, Le Monde e El País. Tais órgãos de informação divulgaram em seguida que tinham “autonomia para decidir sobre a seleção, valoração e publicação das informações que afetassem a seus países (EUA, Grã Bretanha, Alemanha, França e Espanha).

Portanto, e ainda segundo Serrano, a conivência entre o Wikileaks e o cartel criado entre esses cinco órgãos de comunicação, é absoluta. E conclui: “Não sei se a origem do site Wikileaks era limpa e honesta. O que parece claro, contudo, é que está se convertendo num objeto domesticado, a ponto de o primeiro ministro de Israel Benjamim Netanyahu afirmar que os documentos dão razão ao seu governo ao valorizar a ameaça iraniana”.

Os vazamentos Wikileaks significariam o simples desnudamento da diplomacia de intimidação e espionagem colocadas em prática por Washington, tornando explícito para o mundo aquilo que muitos já sabiam ou desconfiavam? Criam constrangimentos para o complexo industrial/militar e as grandes corporações capitalistas ou, ao contrário, significam uma nova e sofisticadíssima forma de contra-informação digna de um filme de Hollywood?

O atual líder republicano no senado norte americano, Mitch McConnell, declarou em entrevista para a rede de televisão NBC que Assange é “um terrorista de alta tecnologia”. O dano causado aos EUA é enorme e, segundo o senador, Assange deve ser julgado com todo o peso da lei. Se por acaso isso causar problemas legais, “muda-se a lei”, completou McConnell. Parece que desde a eleição de Bush filho, quando se fraudou a lei no estado da Flórida para sua eleição, ou mesmo bem antes, quando John Kennedy foi assassinado, a democracia norte americana vem mudando algumas de suas leis a fim de se manter como sendo a democracia exemplar para o resto do mundo.

Ainda é cedo para maiores projeções nessa ou naquela direção sobre os telegramas wikis ou sobre o papel representado por Julian Assange. Uma coisa é certa. A pergunta que se configura aos poucos e que o confronto entre a força avassaladora da nova informação eletrônica e a da velha mídia mundial a serviço do poder hegemônico do capitalismo nos coloca é a seguinte: a democracia representativa burguesa está fugindo ao controle de quem a tutela?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Cuba e a hora da mudança

Atilio Borón

Em Cuba se está efetivando um grande debate sobre o futuro econômico da ilha. Entre os cubanos se fez presente a convicção de que o atual sistema econômico, inspirado no modelo soviético de planejamento ultra-centralizado, encontra-se exaurido. Como advertiram Fidel e Raúl, sua permanência compromete a sobrevivência da Revolução. Se se quer salvá-la será necessário abandonar um sistema de gestão macroeconômica que, de forma clara, já passou a melhor vida.

A experiência histórica tem mostrado que a irracionalidade e desperdício dos mercados podem ocorrer em uma economia totalmente controlada pelos planejadores estatais, que não estão a salvo de cometer erros grosseiros, que produzem irracionalidades e desperdícios que afetam o bem-estar da população.

Exemplos: em um país com um déficit habitacional tão grave como Cuba, a agência estatal encarregada das construções tem registrado 8 mil pedreiros e 12 mil pessoas dedicadas à segurança e guarda dos depósitos das empresas de construção do Estado.

Ou que os relatórios oficiais revelem que 50% da área agrícola da ilha não está sendo cultivada, em um país que deve importar entre 70 e 80% dos alimentos que consome. Ou que quase um terço da safra é perdida devido a problemas de coordenação entre os produtores (sejam eles agências governamentais, cooperativas agrícolas ou outras empresas), as empresas de armazenagem e seleção e os serviços de transporte do Estado, que devem levar as colheitas até os grandes centros de consumo.

Ou que as atividades, como salões de cabeleireiro e beleza, são empresas estatais — em que página do Capital, Marx recomenda isso? — nas quais os trabalhadores recebam todos os equipamentos e materiais para fazer o seu trabalho e cobram um salário, embora cobrem de seus clientes dez vezes a mais do preço estabelecido oficialmente, fixado a décadas atrás, e sem pagar um centavo de impostos.

Estes são alguns exemplos que conversando com os amigos cubanos se multiplicam ad infinitum. Mas, levantam uma questão de importância prática e também teórica: o projeto socialista é realizado ao conseguir-se a total estatização da economia? A resposta é um estridente não. Se na União Soviética (que tinha apenas como um precursor a heróica Comuna de Paris), nas condições específicas de seu tempo, não houve alternativa senão promover a estatização completa da economia, nada indica que nas condições atuais se deva agir da mesma forma.

Tal como com perspicácia anotara Rosa Luxemburgo a respeito exatamente do caso soviético, não há razão para fazer dessa necessidade, uma virtude. E se a estatização total e o planejamento ultra centralizado pode ter sido necessário - e até mesmo virtuoso -, em seu momento, para tornar possível que, em um período de quarenta anos, a velha Rússia, o país mais atrasado da Europa, pudesse ser capaz de derrotar o exército nazista e assumir a liderança na corrida espacial, hoje não o é.

Expresso em termos do marxismo clássico, o desenvolvimento das forças produtivas decretou a obsolescência das formas e da intervenção estatal, que eficazes no passado, não têm qualquer possibilidade de controlar a dinâmica dos processos de produção contemporânea, decisivamente moldados pela terceira revolução industrial.

Cuba entra em um processo de mudança e atualização do socialismo. Os primeiros esboços do projeto, um documento de vinte páginas publicado como suplemento especial do Granma e do Juventud Rebelde, foi distribuído para a população maciçamente. A tiragem de 500 mil exemplares foi imediatamente adquirida pela população, convidada várias vezes a ler, discutir e enviar suas propostas. Nova enorme tiragem está a caminho, porque o desejo de participação é enorme.

O documento será analisado criticamente por todas as organizações sociais, sem distinção: do Partido Comunista até os sindicatos e associações de todos os tipos que existem na ilha. Por isso, estão equivocados os que se iludem que a introdução de reformas inicie um indecoroso — e suícida — retorno ao capitalismo. Nada disso: o que tentaram fazer é nada mais e nada menos do que realizar reformas socialistas que o fortalecimento do controle social, ou seja, o controle popular dos processos de produção e distribuição de riqueza.

O socialismo, bem entendido, é a socialização da economia e do poder, não sua estatização. Mas, para socializar é necessário primeiro produzir, pois, caso contrário, não há nada para se dividir.

Portanto, trata-se de reformas que aprofundam o socialismo, e que nao têm nada haver com as que foram implantadas na América Latina desde os anos oitenta.

Seria óbvio dizer que o caminho a percorrer pela Revolução Cubana não será fácil e está cheia de perigos. Às dificuldades inerentes a qualquer transição são adicionados as derivadas do infame bloqueio dos EUA (e mantido pelo Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama), o bombardeio constante da mídia e as pressões sobre a ilha, procurarão por todos os meios fazer com as reformas socialistas degenerem em uma reforma econômica capitalista.

O cerne da questão está na bússola política, a orientação que terão estes processos de mudança. E o povo e o governo de Cuba dispõem de uma bússola muito boa, provada por mais de meio século, e eles sabem muito bem o que devem fazer para salvar o socialismo da ameaça mortal que representa o esgotamento de seu modelo econômico atual. E também sabem que se algo liquidar as conquistas históricas da revolução, seria varredura de um acidente vascular cerebral, que re-mercantilizaria os seus direitos e os converteriam em mercadorias. Ou seja, a reintrodução do capitalismo. E ninguém quer que isso aconteça.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Espedito Rocha: política e arte em favor da Humanidade

O Brasil (por que não a Humanidade?) perdeu nesta quinta-feira, 18, um emblema do que o século XX produziu de melhor. Espedito Rocha, morto aos 89 anos na ensolarada manhã de primavera, foi um revolucionário comunista da estirpe leninista, inquebrantável em suas convicções, movido por um compromisso visceral com a libertação dos trabalhadores do jugo do capital, árvore solidamente enraizada no solo ideológico pelo qual optou, resistente às tentações do mundanismo, aos apelos desviacionistas.

Colonizador do Norte do Paraná, construtor do Centro Cívico, sindicalista do setor químico, esse pernambucano nascido em 1921 e desde 1938 militante do Partido Comunista do Brasil (que então usava a sigla PCB) viveu com intensidade, sobretudo com profunda convicção e perseverança as vicissitudes da forte e ininterrupta atuação do seu partido nas lutas sociais e políticas no Brasil. Clandestino durante anos, preso político massacrado pela ditadura militar, Espedito resistiu até mesmo dentro das fileiras do seu partido, já então Partido Comunista Brasileiro, lutando contra os que o desejavam agremiação social-democrata. Quando surgiu o PPS, participou da refundação do PCB. Era assim o velho Espedito, inquebrantável, lutando onde era necessário lutar, em quaisquer circunstâncias, contra quem quer que fosse, desde que isso ajudasse a marcha para o socialismo, seu ideal imorredouro e dos tantos que seguiram e seguem seu exemplo.

Em sua lida com a existência humana, Espedito tornou-se artista da madeira, esculpindo-a com maestria, ali expressando o mesmo que expressava na política: a profunda solidariedade que o movia em direção à sua gente.

Na tarde do dia se sua morte, não fui ao velório, Assembleia Legislativa , para lhe render a última homenagem. Homem dessa estatura, dessa dimensão história, merece homenagens que nunca serão as últimas.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O roteiro do terceiro turno

Do sítio CARTA MAIOR

Passados 18 dias desde a vitória de Dilma Rousseff sobre Serra, por uma vantagem de 12 milhões de votos, a coalizão demotucana e seu dispositivo midiático não recolheram as garras um só minuto. Cinco dias após o revés nas urnas, o candidato da derrota estava em Biaritz levando um 'por que no te callas', em resposta a tentativa de armar o palanque de oposição em território francês.

O jornalismo nativo não deixa por menos. Cumpre religiosamente o roteiro do terceiro turno. Dia sim, dia não, tem uma crise produzida, maquiada e estampada nas capas da mídia conservadora --disputa por ministérios; desfeita de Lula a Celso Amorim; desindustrialização galopante; impasse do salário mínimo;crise na Petrobrás pós-capitalização; denuncismo contra a equipe de transição; denuncismo contra supostos candidatos a ministro; crise do ENEM; veto do IBAMA a Belo Monte etc etc. Em resumo, não se disfarça a intenção de minar a autoridade da Presidente eleita antes mesmo de sua posse. Agora, a Folha se prepara para dar legitimidade 'jornalística' a um relatório produzido dos porões da ditadura militar sobre a militancia revolucionária de Dilma Rousseff quando jovem. O enredo dessa trama está para a isenção jornalística assim como o rio Tietê para a preservação do meio ambiente.

A aposta em curso é que, uma vez Lula fora da cena política, não haverá força capaz de deter o trator oposicionista, cujas rodas em poucos meses estarão transitando por cima do cadáver político do novo governo. Desta vez, ao contrário do que ocorreu em 2005/2006 eles não hesitarão em lavrar um pedido de impeachment para materializar o terceiro turno agora esboçado. Com a palavra, os movimentos sociais.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Irmão de Lula: "Ele não foi eleito presidente para ajudar a família".

O reporter Fabio Victor, da Folha de São Paulo, mostra a vida modesta dos irmãos de Lula, exemplo categórico de que o Presidente não governa para os seus - familiares, amigos e correligionários - mas para o Brasil e os brasileiros. A notícia que a FSP estampa nesta segunda-feira, 15, poderia tornar-se uma bela reportagem. Mas seria exigir demais do jornalismo brasileiro contemporâneo, mais afeto ao texto curto e superficial.


Vavá tinha 108 canários do reino, hoje não resta nenhum. O motivo: os ratos de telhado que invadiam o viveiro do seu sobrado na periferia de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo.

A casa simples onde mora Vavá, ou Genival Inácio da Silva, irmão do presidente Lula, é a mesma há 36 anos.

Às vésperas do segundo turno da eleição, ele conversou por uma hora com a Folha. De início, gritou para a mulher, que atendeu o portão, que não queria papo. Mas logo cedeu e convidou a reportagem a entrar.

Primeiro falou na apertada sala (5 m2), decorada com móveis tipo Casas Bahia, azulejo barato, uma TV grande e três quadros: uma foto oficial do presidente (com o autógrafo "Para o meu querido irmão Vavá, um abraço do Lula"); um retrato em preto e branco da mãe, dona Lindu, e um quadro bordado de uma mulher-anjo.

Depois, no terraço do primeiro andar nos fundos da casa, onde havia a criação, contou que os ratos arruinaram os canários e ele foi forçado a dar os que restaram.

Personagem do noticiário em 2007, quando foi indiciado pela Polícia Federal por tráfico de influência e exploração de prestígio na Operação Xeque-Mate (que investigou máfia de caça-níqueis), Vavá foi excluído da denúncia do Ministério Público.

"Os caras pensam que a gente é milionário. Quebraram a cara. Desmoralizam você, te jogam no lixo. Se não tiver cabeça, acabou."

Aposentado como supervisor de transporte da Prefeitura de São Bernardo, pouco sai de casa. Ainda se ressente de seis cirurgias nos últimos anos (no fêmur e na coluna).

DUREZA

A poucos dias de Lula deixar a Presidência, após oito anos no cargo, os seus seis irmãos vivos moram em situação semelhante à de Vavá, alguns com maior dureza.

O primogênito, Jaime, 73, vive numa periferia pobre de São Bernardo, acorda diariamente às 4h30 e vai de ônibus para o trabalho, numa metalúrgica na Vila das Mercês, zona sul de São Paulo.

Marinete, 72, a mais velha das mulheres, que foi doméstica na juventude e hoje não trabalha, é vizinha de Vavá.

Quando a Folha o entrevistava, ela surgiu no terraço dos fundos do seu sobrado, colado ao dele, para checar um contratempo. "Não tem água. Acabou a água da rua e estou sem água", queixou-se. "Marinete do céu, nenhuma das duas [da rua ou da caixa]?", questionou Vavá.

O fotógrafo da Folha subiu no muro para checar o registro da caixa d'água. "Ó o sujeito... Ah, você não vai subir, não. Filhinho de papai, não sabe subir em muro", gracejou Marinete.

Vavá, 71, é o terceiro. É seguido por Frei Chico (José Ferreira da Silva), 68, o responsável por introduzir Lula no sindicalismo. Metalúrgico aposentado, Frei Chico recebe ainda uma indenização mensal de R$ 4.000 por ter sido preso e torturado na ditadura. Presta assessoria sindical e mora em São Caetano.

Maria, a Baixinha, 67, e Tiana (cujo nome de batismo é Ruth), 60, a caçula -Lula, 65, está entre as duas-, completam a família. A primeira vive no mesmo bairro que Vavá e Marinete e não trabalha; Tiana, merendeira numa escola pública, mora na zona leste de São Paulo.

Esses são os sobreviventes dos 11 filhos de dona Lindu com o pai de Lula, Aristides -que teve vários outros filhos com outras mulheres.

SAÚDE

Todos os irmãos do presidente Lula têm problemas de saúde. Jaime e Maria enfrentaram cânceres. Frei Chico é cardíaco. Vavá tem complicações ósseas. Marinete está com uma doença grave que os irmãos não revelam.

"Só tem o Lula bom ainda", afirma Frei Chico.

Os parentes dizem não receber auxílio financeiro do presidente e não se queixam disso. "Ele não foi eleito presidente para ajudar a família. Seria ridículo se desse dinheiro", declara Vavá.

"Não tem o que dizer. O Lula tem a vida dele, temos a nossa. Ainda posso trabalhar, trabalho", diz Jaime.

Frei Chico conta estar aliviado com o fim do mandato de Lula na Presidência. Ele acredita que vai cessar o assédio aos irmãos em busca de atalhos até o Planalto.

"Para nós, só tem a melhorar. Vamos ficar mais tranquilos em relação à paparicagem. É muita gente enchendo o saco, gente que achava que a gente podia fazer alguma coisa", afirma.

Os irmãos não têm ilusão de que, ao deixar Brasília, Lula seja assíduo nas reuniões familiares. "Estamos envelhecendo, a família vai chegando ao fim e assumem os filhos e sobrinhos, a família lateral", diz Vavá.

O consolo é pensar que o irmão famoso estará mais perto. "Ele disse que não vê a hora de voltar [para São Bernardo] para descansar um pouco. Ele está muito cansado. O Lula tem trabalhado muito", afirma Marinete.

domingo, 14 de novembro de 2010

O meu Brasil é com "S"

Em belo texto veiculado pela Folha de S. Paulo, em sua edição de 14 de novembro, o primeiro-ministro José Sócrates, de Portugal, despede-se de Lula.


Raros são os políticos que dão o seu nome a um tempo. Os "anos Lula" mudaram o Brasil. É outro país: mais desenvolvido economicamente, mais avançado tecnologicamente, mais justo socialmente, mais influente globalmente.

Uma democracia mais consolidada, uma sociedade mais coesa e mais tolerante. Sabemo-lo hoje: no Brasil, o século 21 começou em 1º de janeiro de 2003, o dia inaugural da Presidência de Lula.

Quero ser claro: Lula mostrou que a esquerda brasileira sabe governar. Causas, sim, mas competência também; princípios políticos, mas também eficácia técnica; realismo inspirado por ideais que nunca se perderam.

Este presidente, oriundo do PT, deu à esquerda brasileira credibilidade, modernidade, força e maturidade. A grande oportunidade da sua eleição não foi uma promessa incumprida ou um sonho desfeito.

Ao contrário, com Lula, a esquerda ganhou crédito e consistência; o Brasil, reputação e prestígio.

Sou testemunha das reservas, se não do ceticismo, com que a "intelligentzia" recebeu a eleição de Lula da Silva. Hoje, na hora do balanço, a descrença transmutou-se em aplauso; a expectativa, em admiração. É essa a "alquimia" Lula.

Os números falam por si: crescimento econômico, equilíbrio financeiro, reputação nos mercados, milhões de pessoas arrancadas à extrema pobreza, salto inédito na educação e na formação profissional, melhoria do rendimento que alargou e consolidou a classe média brasileira.

Lula era o homem certo. A sua história pessoal e política permitiu dar à esquerda uma nova atitude e ao Brasil um novo horizonte. Sem complexos e sem desfalecimentos, o antigo sindicalista esperou e preparou longamente o encontro com o seu povo. Se falhasse, não falharia apenas ele: falharia um ideal, um sonho, um projeto, esperança do tamanho de um continente.

Foi também nesses anos vitais que o Brasil se afirmou como o grande país que é. "Potência emergente", como é habitual dizer, assume-se -e vai se assumir cada vez mais- como um dos grandes países que marcam o mundo contemporâneo. Pela sua grandeza e pela sua energia, tem tudo o que é necessário para isso.

Portugal tem orgulho deste grande país, com quem partilha uma língua, uma fraternidade, um passado, um presente e um futuro. Tudo isso queremos valorizar e projetar: aos sentimentos que nos unem, juntamos os interesses que nos são comuns; à memória conjunta associamos visão partilhada do futuro.

Para Portugal e para todos os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a importância do Brasil no mundo do século 21 é um motivo de alegria e uma riqueza imensa, com potencialidades em todos os planos: econômico, cultural, linguístico, político, geoestratégico.

A vida política de Lula é uma longa corrida feita com ritmo, esforço, persistência. As palavras que ocorrem são tenacidade e temperança, clássicas virtudes da política. Tenacidade para fazer de derrotas passadas vitórias futuras. Temperança que lhe ensinou a moderação, o equilíbrio e a responsabilidade que o tornaram o presidente que foi.

Na hora da despedida, quero prestar-lhe, em meu nome pessoal e em nome do governo português, uma homenagem feita de amizade, reconhecimento e admiração. Lembro os laços que firmamos, os projetos que comungamos, os encontros que tivemos, nos quais se revelou, invariavelmente, um grande amigo de Portugal.

Lembro, em especial, o trabalho que desenvolvemos para que durante a presidência portuguesa da União Europeia fosse possível a realização da primeira cúpula UE-Brasil, um ponto de viragem nas relações entre a Europa e o Brasil.

Na passagem do testemunho à presidente eleita, Dilma Rousseff, que felicito vivamente e a quem desejo as maiores felicidades, renovo a determinação de prosseguirmos juntos e reafirmo, na língua que nos é comum, o nosso afeto e a nossa gratidão. Mais do que nunca, "o meu Brasil é com "S'". "S" de Silva.

Lula da Silva. Saravá!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Luiz Dulci: mídia tentou esconder movimentos sociais

A seguir, a palavra do Ministro Luiz Dulci sobre a tentativa da grande mídia brasileira, caolha e interesseira, de apagar o movimento social dos últimos oito anos.

É preciso dizer que, nesses oito anos, a imprensa conservadora fez campanha permanente para desqualificar os movimentos sociais e sua relação com o governo. Usou para isso três armas poderosas: a invisibilidade, a desmoralização e a aberta criminalização. Ela simplesmente escondeu, cancelou do noticiário, as principais mobilizações populares do período e as conquistas obtidas, no afã de carimbar as entidades civis como omissas, cooptadas.


A julgar pelas TVs, rádios, revistas e jornais, com raríssimas exceções, é como se não tivessem existido as três grandes marchas da classe trabalhadora pelo emprego e pelo salário, cada uma delas levando a Brasília 40 mil, 50 mil participantes; ou os Gritos da Terra, realizados anualmente em todo o país; ou as enormes caravanas da agricultura familiar e da reforma agrária; sem falar nas esplêndidas Marchas das Margaridas, que nunca contaram com menos de 30 mil mulheres do campo; ou as diversas e massivas jornadas de luta estudantil em defesa da escola pública; e os dias nacionais da consciência negra e dos direitos das mulheres, entre tantos exemplos que poderíamos citar, nos mais variados setores da vida brasileira.

Toda essa vitalidade democrática foi, na verdade, deliberadamente omitida para não desmentir a tese preconcebida da desmobilização completa dos movimentos e de sua suposta estatização . Em alguns casos, tentou-se criminalizá-los, promovendo CPIs (das ONGs e do MST), quebra de sigilos bancários de militantes, processos judiciais, etc. Caso contrário, essa mídia teria que admitir que, se não há mais manifestações contra a Alca, é porque derrotamos a proposta da Alca, e hoje avança a integração soberana dos povos do continente; se não há mais atos públicos contra as privatizações, é porque não há mais privatizações, e sepultou-se o dogma destrutivo do Estado mínimo; se não há protestos contra o desemprego e o arrocho salarial, é porque o país criou, durante o governo Lula, 14 milhões de novos postos de trabalho e a classe trabalhadora teve expressivos ganhos reais, com forte elevação da massa salarial.

O que eles não percebem é que, hoje, os movimentos sociais não estão mais na fase de resistência. Junto com o país, passaram à ofensiva. Já não lutam para impedir a supressão de direitos, como acontecia nos governos de Fernando Henrique, e sim para ampliá-los e universalizá-los. Mobilizam-se, a partir de sua autonomia, para aproveitar os espaços de democracia participativa e alargá-los ainda mais. Querem intensificar o atual ciclo de crescimento econômico, distribuindo cada vez melhor os seus frutos. Lutam para que os recursos do pré-sal beneficiem o conjunto da população e sejam de fato destinados à igualdade social e à revolução educacional, cultural e científica a que o país almeja.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

500 anos esta noite

Pedro Tierra


De onde vem essa mulher
que bate à nossa porta 500 anos depois?
Reconheço esse rosto estampado
em pano e bandeiras e lhes digo:
vem da madrugada que acendemos
no coração da noite.

De onde vem essa mulher
que bate às portas do país dos patriarcas
em nome dos que estavam famintos
e agora têm pão e trabalho?
Reconheço esse rosto e lhes digo:
vem dos rios subterrâneos da esperança,
que fecundaram o trigo e fermentaram o pão.
De onde vem essa mulher
que apedrejam, mas não se detém,
protegida pelas mãos aflitas dos pobres
que invadiram os espaços de mando?
Reconheço esse rosto e lhes digo:
vem do lado esquerdo do peito.

Por minha boca de clamores e silêncios
ecoe a voz da geração insubmissa
para contar sob sol da praça
aos que nasceram e aos que nascerão
de onde vem essa mulher.
Que rosto tem, que sonhos traz?

Não me falte agora a palavra que retive
ou que iludiu a fúria dos carrascos
durante o tempo sombrio
que nos coube combater.

Filha do espanto e da indignação,
filha da liberdade e da coragem,
recortado o rosto e o riso como centelha:
metal e flor, madeira e memória.
No continente de esporas de prata

e rebenque, o sonho dissolve a treva espessa,
recolhe os cambaus, a brutalidade, o pelourinho,
afasta a força que sufoca e silencia
séculos de alcova, estupro e tirania
e lança luz sobre o rosto dessa mulher
que bate às portas do nosso coração.

As mãos do metalúrgico,
as mãos da multidão inumerável
moldaram na doçura do barro
e no metal oculto dos sonhos
a vontade e a têmpera
para disputar o país.

Dilma se aparta da luz
que esculpiu seu rosto
ante os olhos da multidão
para disputar o país,
para governar o país.

Brasília, 31 de outubro de 2010

Vitória do povo. O Brasil segue avançando

A eleição de Dilma Roussef à Presidência da República, que os brasileiros consagraram neste domingo, é mais um passo – um passo decisivo – no processo inaugurado em 2002 com a eleição do Presidente Lula. Um passo que deverá impulsionar ainda mais a construção de um Brasil democrático, soberano e socialmente justo.

Esse “terceiro mandato democrático e popular” (para usar a expressão do portal Vermelho, em seu editorial deste domingo, 31) terá pela frente não apenas o desafio de manter e aprofundar o patrimônio transformador legado pelo Presidente Lula, como de criar novos caminhos de avanço social

Reduzir as desigualdades sociais, que ainda não grandes em nosso País, aperfeiçoar nossa ainda frágil democracia, fortalecer a soberania nacional sempre ameaçada por hegemonismos agressivos são alguns dos desafios que a Presidente Dilma Roussef terá pela frente a partir de 1o de janeiro próximo.

Enfrentar esses desafios essenciais significa promover reformas estruturais e, por decorrência, atingir interesses das elites que tradicionalmente mandaram no Brasil. As reformas política, tributária e agrária, a quebra do monopólio midiático, a preservação da soberania brasileira sobre o pré-sal são alguns desses desafios. Algo, portanto, que exigirá a permanente mobilização do povo brasileiro e a sólida união das forças políticas democráticas e progressistas, nucleadas pela esquerda.

A Presidente Dilma Roussef tem todas as condições para trilhar com sucesso essa trajetória. Seu consistente pronunciamento após o anúncio da vitória, no domingo à noite, apontou convicções firmes e disposição para seguir adiante a partir do legado de Lula. Contará com maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, o apoio de boa parte dos governadores e um amplo respaldo social.

Sobre as eleições presidenciais deste ano ainda cabe exame mais minucioso. Há considerações várias e lições a extrair. Mas, por ora, o fato mais alvissareiro é que o Brasil amanheceu nesta segunda-feira tendo espantado o fantasma do retrocesso. Mantém-se no caminho certo, com muito ainda a caminhar, mas no rumo certo. Resta agora o robustecimento da frente política formada em torno da candidatura Dilma, um campo de forças capaz de sustentar e impulsionar o avanço. Disseram-me ontem que o Presidente Lula, a partir de janeiro, se dedicará, entre outras, a essa tarefa estratégica. Mais uma vez, alvíssaras!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Abaixo as ilusões!

Diante do que considera a "ilusão da eleição decidida", Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, alerta, no texto a seguir: "A eleição decisiva do segundo turno não está ganha". Para o dirigente comunista, "temos que ir para as ruas, falar com o povo de várias formas. Buscar aliados e ampliar nossa frente".

Ganhamos as eleições presidenciais no primeiro turno. Dilma Rousseff alcançou o primeiro lugar amplamente e sua coligação conquistou em torno de 70% do Congresso Nacional.

Conquista inédita. O erro maior cometido antes de 3 de outubro foi a ilusão de que a “eleição já estava decidida” . Auto-suficiência e ilusão nos afastaram do curso concreto da disputa eleitoral. O comando da Campanha mostrou uma atitude burocrática. Nada nos iria atingir e impedir o caminho célere da vitória. Distante da realidade não soube responder aos ataques de várias formas que estavam minando a figura da nossa candidata, desviando o debate das questões programáticas e das conquistas do governo Lula tão amplamente respaldada pela população. Contribuímos para isso, porque nem mesmo o programa de governo -- como sempre se fez -- acabou sendo divulgado.

O segundo turno iniciou-se sob a ofensiva da oposição. Caiu-se na real abruptamente. E bastaram 15 dias de campanha, quando surge pesquisa momentânea que indica crescimento da nossa candidata, para ressurgir a ilusão de “eleição decidida”. Parece que estamos sob a influência de uma concepção idealista, auto-suficiente, faltando simplicidade para compreender a realidade que nos cerca. A eleição decisiva do segundo turno não está ganha!

Essa campanha presidencial vem demonstrando que essa gente – a oposição demo-tucana, a grande mídia, a elite conservadora e cassandras de ocasião– não estão aí para fazer campanha de alto nível, comparar programas, para que o povo soberanamente possa escolher. Eles estão decididos a barrar a qualquer custo a continuação do projeto democrático e popular iniciado por Lula e a voltar ao centro do poder nacional. Agem pelos meios oficiais e através de movimentos subterrâneos. Além de ampla estrutura na internet com o intuito de difamar a figura da candidata, uma massa enorme de panfletos que estão sendo produzidos para atingir a imagem de Dilma, montaram gigantesco esquema de telemarketing para essa fase final da campanha. Está em curso um movimento orquestrado por eles, com ressonância em poderosos meios de comunicação, para propagar a desconfiança, o medo e o terror em várias camadas da população contra a candidatura de Dilma Rousseff.

Para alcançar seus intentos esta vasta campanha oficial e subterrânea da oposição visa desacreditar e satanizar a imagem da candidata apresentada por Lula, e afastar do centro do debate os destinos da nossa grande nação, a comparação de governos, os caminhos percorridos e a percorrer, e que programa pode continuar e avançar as mudanças abertas pelo governo Lula.

Não é o resultado circunstancial de uma pesquisa que define probabilidades relativas, que deve nos induzir ao que fazer. Como atua e o que faz nosso adversário, sua atividade aberta e camuflada, sua mensagem enganosa é que deve ser enfrentada. A mentira e o medo não podem prevalecer. Temos uma responsabilidade histórica perante a nação. Temos melhores condições do que eles para vencer: um governo apoiado por extensa maioria do povo, um programa consistente e vitorioso e um amplo apoio político e social. A luta deve ser decidida no terreno político, com explicação nítida e comparativa de projetos e denúncias perante o povo do jogo sujo perpetrado pela oposição e a elite conservadora desesperada. Portanto, é na luta política. Temos que ir para as ruas, falar com o povo de várias formas. Buscar aliados e ampliar nossa frente. Novas investidas da parte deles podem surgir. Vamos ganhar essa importante guerra política na luta até terminar a apuração no dia 31 de outubro. Abaixo as ilusões!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

“A morte da alma nacional”

O jornalista Aloysio Biondi (1936/2000), voz competente e consistente em defesa do Brasil, autor de um minucioso inventário da privataria neoliberal (o livro Brasil Privatizado – Um Balanço do Desmonte do Estado), publicou na revista Bundas, em agosto de 1999, o artigo A morte da alma nacional.

Revisitado, por esses dias, pelo sítio Carta Maior, que lhe dedica uma série, o artigo é de oportuna releitura nesses dias em que o Brasil defronta-se com uma equação dramática, devendo decidir, no próximo 31, no contexto de dois projetos antagônicos que se confrontam, qual o caminho que escolherá.

Biondi inicia seu texto com uma frase de Celso Furtado: “Nunca estivemos tão longe do país com que sonhamos um dia”. Eram os anos FHC quando o jornalista produziu sua reflexão e o grande economista brasileiro desabafou seu amargor.

Biondi faz uma breve retrospectiva da história recente do País, coberta por crises de todos os tipos, para indicar que, diante de cada uma dessas crises, algumas severas, outras muito severas, havia uma contrapartida poderosa a robustecer o alento dos brasileiros.“Havia um povo que sonhava virar Povo”, escreveu, “e estudantes, intelectuais, empresários, trabalhadores, agricultores, classe média envolvidos no debate pelo desenvolvimento, conscientes, todos, de que havia um preço a pagar, resistências a enfrentar. Inimigos, interesses externos a vencer. Um país com alma, sonhos”.

Nos anos 90, entretanto, a situação mudou. Sem meias palavras Biondi dedica parte do seu texto para mostrar como a alma nacional estava maculada naquela década maldita e como, em sua opinião, os brasileiros da época deveriam se comportar. O artigo é antológico. Nada melhor que reproduzir, ipsis litteris, por sua inteira pertinência à atualidade brasileira, seus quatro últimos parágrafos.

Em cinco anos, o governo Fernando Henrique Cardoso não destruiu apenas a economia nacional, tornando-a dependente do exterior. Seu crime mais hediondo foi destruir a Alma Nacional, o sonho coletivo. Para isso, e com a ajuda dos meios de comunicação, jogou o consumidor contra os empresários nacionais, “esses aproveitadores”; o contribuinte contra os funcionários públicos, “esses marajás”; o pobre contra os agricultores, “esses caloteiros”; a opinião pública contra os aposentados, ”esses vagabundos”.


No governo FHC, o brasileiro foi levado a esquecer que, em qualquer país do mundo, a sociedade só pode funcionar com base em objetivos que atendam aos interesses, necessidades de todos – ou, mais claramente, não se pode por exemplo ter uma política de importação indiscriminada, a pretexto de beneficiar o consumidor, sem provocar desemprego e quebra de empresas. Ou, a longo prazo, desemprego generalizado.


Com o jogo perverso de estimular a busca de pretensas vantagens individuais, o governo FHC destruiu a busca de objetivos coletivos. Destruiu a Alma Nacional, o Projeto Nacional. A violenta desnacionalização sofrida pelo Brasil, em sua economia, vai eternizar a remessa de lucros, dividendos, juros para o exterior. Isto é, vai torná-lo totalmente dependente da boa vontade dos governos de países ricos em fornecer dólares e, portanto, de ordens e autorizações desses governos de países ricos. Uma espécie de colônia, mesmo, como alertou o economista Celso Furtado em palestra que ele encerrou com sua frase, arrasadora para quem viveu o Brasil de 50 para cá, “nunca estivemos tão distante do Brasil com que um dia sonhamos”.


Mesmo sem tê-lo consultado a respeito, uma sugestão: escreva a frase de Furtado em um pedaço de papel, e a releia todos os dias. Ou faça decalques com ela. Sugira que seus amigos façam o mesmo.


E comece a agir. Ainda há tempo de ressuscitar a Alma Nacional, antes que o Brasil vire colônia.

Atualizemos a frase do mestre Celso Furtado: de 2003 para cá nunca tivemos tão perto do País com que sonhamos um dia. Há, em nosso horizonte próximo, um amanhã, um destino a perseguir. A alma nacional foi resgatada por um Brasil que colocou um metalúrgico do Palácio do Planalto. Não deixemos que se consuma – tampouco as conquistas que nos redimem e aproximam do amanhã que voltou a povoar os nossos sonhos – na voracidade genocida do neoliberalismo que pretende retomar as rédeas do País.

Repito aqui um bordão do ex-governador e senador eleito pelo Paraná, Roberto Requião: voltar atrás, nunca mais! E essa conclamação patriótica tem nome e número: Dilma Roussef, 13.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Segundo turno, luta de sentido histórico

Editorial do sítio vermelho.org.br

A eleição presidencial será decidida no segundo turno no dia 31 de outubro. Com alto índice de participação popular, foram computados mais de 111 milhões de votos válidos. Dilma Rousseff, da coligação Para o Brasil Seguir Mudando, obteve 46,91% , José Serra, do PSDB, 32,61% e Marina Silva, do PV, 19,33%. Outros candidatos somados pontuaram pouco mais de 1%.

O resultado não surpreende, porquanto nos últimos dias da campanha foram detectados sinais de leve erosão nas intenções de voto em Dilma e de crescimento de Serra e Marina, sobretudo desta última. E não foge ao padrão das duas eleições anteriores, em que Lula teve que passar pela prova do segundo turno para eleger-se (2002) e reeleger-se (2006).

Obviamente, o resultado contraria as expectativas das forças democráticas e populares, cuja palavra de ordem era vencer já no primeiro turno.

A superioridade de Dilma Rousseff, de mais de 14 pontos percentuais sobre seu adversário, corresponde à ampla base de apoio popular de sua candidatura e é uma clara expressão da existência de uma maioria em favor da continuidade das mudanças iniciadas no Brasil a partir de 2003. Tem plenas condições de no segundo se transformar em maioria absoluta e conferir ao novo governo o necessário apoio à realização de seu programa democrático e patriótico.

As forças progressistas e do movimento popular engajadas na campanha de Dilma vão enfrentar o segundo turno, como disse a candidata, com garra e energia.

Nas próximas semanas será necessário intensificar o debate político e a mobilização popular. Não se ganha eleição antecipadamente, apenas através do monitoramento das pesquisas e do bom manejo das técnicas de “marketing político”. Uma batalha política da envergadura de uma eleição presidencial só pode ser vitoriosa com uma postura política ofensiva. A vitória nas urnas tem que partir das ruas, do corpo a corpo com o eleitor, da discussão franca, simples, direta e profunda com o povo, tocando fundo sua mente e seu coração.

Mais do que nunca é preciso ter a consciência aguda do que está em disputa. Dois projetos diametralmente opostos estão em jogo e é em torno destes que se decidirá o futuro do país. De um lado, está a possibilidade de o Brasil continuar trilhando o caminho do fortalecimento da democracia, da soberania nacional e da afirmação dos direitos do povo. Esta bandeira está nas mãos de Dilma Rousseff e das forças que a apoiam, que podem e devem alargar-se ainda mais no segundo turno. Do outro está a submissão do país ao imperialismo, a restrição da democracia, o ataque aos direitos do povo, a criminalização dos movimentos populares e a degradação das condições de vida de milhões de brasileiros.

É um embate político em campo aberto, uma luta de sentido histórico a que a imensa legião de militantes das forças progressistas e de esquerda não se irá furtar.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Por que o debate da Globo não presta

Paulo Henrique Amorim, em seu blog Conversa Afiada 

O debate foi no mesmo horário em que a Globo autoriza que os jogos do Brasileirinho se realizem. (A Cristina Kirchner comprou os direitos do campeonato argentino e distribui a todos os canais, que exibem na hora em que quiserem.)

O debate da Globo é para o brasileiro que pode ir dormir depois da meia noite: ou seja, os ricos. O debate é uma chatice porque :

1) as perguntas são sobre temas sorteados;

2) quem faz as perguntas são os candidatos.

Por isso, as perguntas não são perguntas, mas plataforma para o candidato dizer o que quer. E as perguntas são dirigidas ao adversário que esconda o maior rival. Quando a Dilma pergunta ao Plínio, é porque quer esconder o Serra. E o Serra só entrou no ar às 23h.

O formato da Globo acabou por ser um tiro no pé do Serra. Quem sabe fazer pergunta é jornalista. Candidato sabe pedir voto — quando sabe, o que não é o caso do Serra. Candidato não sabe perguntar.

Por isso, o debate ficou assim: insípido, inodoro e incolor. E por que ficou assim? Porque os candidatos e os partidos quiseram fugir dos jornalistas. E por que fugiram dos jornalistas? Porque os jornalistas brasileiros, em geral, não prestam. São partidários e, na maioria, tucanos. Como diz o Mino Carta: o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama o patrão de “colega”.

Para evitar que o debate seja conduzido por perguntas do Jabor, da urubóloga (Mirian Leitão) ou do Waack, os partidos amarraram o debate. Criaram um formato imune à tensão. É como se a bola não pudesse passar da intermediária. É um debate do tipo “risco-zero”.

O debate faz parte do sistema político brasileiro, em que não há discussão de políticas publicas. Não há confronto de ideias. O que mais informa acaba sendo, como a propaganda da Dilma, o horário eleitoral gratuito.

A lei que regula a entrada de candidatos na televisão também é essencialmente idiota. Consiste em não aprofundar nada. Por quê? De novo, porque os partidos precisavam se proteger, antes de tudo, da parcialidade da Globo.

E aí fica essa bobagem do “dia do candidato”. Em que o pobre espectador tem que ouvir a Bláblárina Silva — a candidata de duas caras, como disse o Santayana — dizer “é muito grave”, “é prioritário”, faremos “um plebiscito”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os debates são no horário nobre. Patrocinados por entidades educacionais, geralmente. E quem faz as pergunta são jornalistas — que todo mundo reconhece como jornalistas sérios, imparciais. A Dilma aceitaria que só a Miriam fizesse as perguntas? Ou o Jabor? Melhor ir para o clinch – e não deixar o Serra respirar.

Debate não decide eleição, como profetizou Don Hewitt, que, em 1960, dirigiu o primeiro dos debates na TV, entre Kennedy e Nixon. O máximo que faz é acentuar tendência que já prevalecia antes do debate. Cada um vê no debate o que quer ver. Mas, poderia ser um instrumento de informação e formação. Se não fosse ao ar no horário do Brasileirinho.

A presidente Dilma Rousseff não foge de uma responsabilidade que se impõe diante dela: promulgar a Ley de Medios. O brasileiro precisa conhecer, discutir seus problemas. Do contrário, o sucessor da Dilma será o Berlusconi.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O jogo da direita

Emir Sader, em seu blog

A direita desistiu de ganhar. Se rendeu à imensa maioria nova que se constituiu no Brasil a partir do governo Lula e de suas conseqüências sociais. Já despejou sua decepção e sua raiva no seu candidato, incapaz de manter uma dianteira que eles mesmos nunca souberam explicar, mas que os acalentava de ter o candidato mais viável. Se rendeu a direita a um candidato que não era o da sua preferência, mas o mais viável para voltar ao governo. Sofreu com a crise de identidade dessa Viúva Porcina, que foi sem nunca ter sido – foi um bom economista, sem nunca ter sido; foi grande governante, sem nunca ter sido; tinha uma trajetória exemplar como político, sem nunca ter tido.

Pelos editoriais, a linha da direita é tudo, menos o Lula, tudo contra a Dilma, candidata da continuidade do governo Lula. A preocupação das ultimas semanas é diminuir o poder do próximo governo. A FSP fala na necessidade de limitar o poder (dos outros, nunca o deles). O Globo se preocupa com a maioria no Congresso (como se o Lula não tivesse, até mesmo para buscar um terceiro mandato, não fosse democrático, ao contrario de FHC, que mudou a Constituição durante seu mandato, para ter dois).

Agora, é buscar o segundo turno, como forma de demonstrar limitações no apoio ao Lula, mais semanas de embate e tentar demonstrar que seu denuncismo ainda tem poder de influencia. Sabem que o Serra é um cadáver político. Com tudo o que fizeram com ele (como diz o meu primo Zé Simão: se parece ao Atlético Mineiro, cada vez que aparece na televisão, perde 3 pontos), não conseguem alavancá-lo.

Daí a operação Marina. Era a ministra mais criticada do governo, com suas picuinhas, que brecavam obras de infra estrutura, se tornou a queridinha da mídia, trogloditas de repente descobrem e se tornam ecologistas de ocasião. A soma dos dois, mais nanicos, mais dificuldades de gente do povão de votar para tantos candidatos (para presidente é a sexta votação) e a necessidade de levar documento com fotos, anima a oposição. Pelo menos para não levar uma goleada desmoralizante.

Já têm como seguro Senado e Câmara com grande maioria governista, maior parte de governadores a favor do governo e eleição da Dilma, no primeiro ou segundo turno, como estabelecidos. O plano agora, para salvar os dedos é:

- garantir São Paulo, Minas e o Paraná

- conseguir chegar ao segundo turno

- tentar diminuir a maioria governista no Parlamento.

Para esta ultima, a oposição busca evitar o mês de janela que se anuncia para logo depois da eleição, que sangraria mais ainda os já combalidos partidos da oposição. DEM e PPS com riscos de desaparição, PSDB tornando-se um partido médio na representação parlamentar.

Conta, para a operação final, com o monopólio privado da mídia, seu elemento forte, aquele em que são claramente majoritários. A operação Data Folha era previsível. Pode ser que mantenham uma diferença baixa ou que, para tentar segurar um pouco que seja de credibilidade, voltem a aumentá-la, depois que esse DF tenha os efeitos possíveis. O Globo, a FSP, o Estadão e a Veja, se jogam com tudo, sem pensar nas conseqüências pós-eleitorais, com uma derrota que demonstra como perderam totalmente a capacidade de influência. Tentam agora sobreviver a todo custo, contra ventos e tempestades, depois que seu candidato naufragou espetacularmente.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Para jornal inglês, Brasil vai eleger "uma líder extraordinária".

Dilma em campanha no Rio Grande do Sul, ao lado de Tarso, Colares e Olívio


O jornal britânico The Independent destacou neste domingo, em artigo assinado por Hugh O'Shaughnessy, que o Brasil se prepara para eleger no próximo final de semana a "mulher mais poderosa do mundo" e "uma líder extraordinária". Texto imperdível veiculado pelo sítio Carta Maior.

A mulher mais poderosa do mundo começará a andar com as próprias pernas no próximo fim de semana. Forte e vigorosa aos 63 anos, essa ex-líder da resistência a uma ditadura militar (que a torturou) se prepara para conquistar o seu lugar como Presidente do Brasil.

Como chefe de estado, a Presidente Dilma Rousseff irá se tornar mais poderosa que a Chanceler da Alemanha, Angela Merkel e que a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton: seu país enorme de 200 milhões de pessoas está comemorando seu novo tesouro petrolífero. A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com a China, é algo que a Europa e Washington podem apenas invejar.

Sua ampla vitória prevista para a próxima eleição presidencial será comemorada com encantamento por milhões. Marca a demolição final do “estado de segurança nacional”, um arranjo que os governos conservadores, nos EUA e na Europa uma vez tomaram como seu melhor artifício para limitar a democracia e a reforma. Ele sustenta um status quo corrompido que mantém a imensa maioria na pobreza na América Latina, enquanto favorece seus amigos ricos.

A senhora Rousseff, a filha de um imigrante búlgaro no Brasil e de sua esposa, professora primária, foi beneficiada por ser, de fato, a primeira ministra do imensamente popular Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical. Mas com uma história de determinação e sucesso (que inclui ter se curado de um câncer linfático), essa companheira, mãe e avó será mulher por si mesma. As pesquisas mostram que ela construiu uma posição inexpugnável – de mais de 50%, comparado com menos de 30% - sobre o seu rival mais próximo, homem enfadonho de centro, chamado José Serra. Há pouca dúvida de que ela estará instalada no Palácio Presidencial Alvorada de Brasília, em janeiro.

Assim como o Presidente Jose Mujica do Uruguai, vizinho do Brasil, a senhora Rousseff não se constrange com um passado numa guerrilha urbana, que incluiu o combate a generais e um tempo na cadeia como prisioneira política.

Quando menina, na provinciana cidade de Belo Horizonte, ela diz que sonhava respectivamente em se tornar bailarina, bombeira e uma artista de trapézio. As freiras de sua escola levavam suas turmas para as áreas pobres para mostrá-las a grande desigualdade entre a minoria de classe média e a vasta maioria de pobres. Ela lembra que quando um menino pobre de olhos tristes chegou à porta da casa de sua família ela rasgou uma nota de dinheiro pela metade e dividiu com ele, sem saber que metade de uma nota não tinha valor.

Seu pai, Pedro, morreu quando ela tinha 14 anos, mas a essas alturas ele já tinha apresentado a Dilma os romances de Zola e Dostoiévski. Depois disso, ela e seus irmãos tiveram de batalhar duro com sua mãe para alcançar seus objetivos. Aos 16 anos ela estava na POLOP (Política Operária), um grupo organizado por fora do tradicional Partido Comunista Brasileiro que buscava trazer o socialismo para quem pouco sabia a seu respeito.

Os generais tomaram o poder em 1964 e instauraram um reino de terror para defender o que chamaram “segurança nacional”. Ela se juntou aos grupos radicais secretos que não viam nada de errado em pegar em armas para combater um regime militar ilegítimo. Além de agradarem aos ricos e esmagar sindicatos e classes baixas, os generais censuraram a imprensa, proibindo editores de deixarem espaços vazios nos jornais para mostrar onde as notícias tinham sido suprimidas.

A senhora Rousseff terminou na clandestina VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Nos anos 60 e 70, os membros dessas organizações sequestravam diplomatas estrangeiros para resgatar prisioneiros: um embaixador dos EUA foi trocado por uma dúzia de prisioneiros políticos; um embaixador alemão foi trocado por 40 militantes; um representante suíço, trocado por 70. Eles também balearam torturadores especialistas estrangeiros enviados para treinar os esquadrões da morte dos generais. Embora diga que nunca usou armas, ela chegou a ser capturada e torturada pela polícia secreta na equivalente brasileira de Abu Ghraib, o presídio Tiradentes, em São Paulo. Ela recebeu uma sentença de 25 meses por “subversão” e foi libertada depois de três anos. Hoje ela confessa abertamente ter “querido mudar o mundo”.

Em 1973 ela se mudou para o próspero estado do sul, o Rio Grande do Sul, onde seu segundo marido, um advogado, estava terminando de cumprir sua pena como prisioneiro político (seu primeiro casamento com um jovem militante de esquerda, Claudio Galeno, não sobreviveu às tensões de duas pessoas na correria, em cidades diferentes). Ela voltou à universidade, começou a trabalhar para o governo do estado em 1975, e teve uma filha, Paula.

Em 1986 ela foi nomeada secretária de finanças da cidade de Porto Alegre, a capital do estado, onde seus talentos políticos começaram a florescer. Os anos 1990 foram anos de bons ventos para ela. Em 1993 ela foi nomeada secretária de minas e energia do estado, e impulsionou amplamente o aumento da produção de energia, assegurando que o estado enfrentasse o racionamento de energia de que o resto do país padeceu.

Ela tinha mil quilômetros de novas linhas de energia elétrica, novas barragens e estações de energia térmica construídas, enquanto persuadia os cidadãos a desligarem as luzes sempre que pudessem. Sua estrela política começou a brilhar muito. Mas em 1994, depois de 24 anos juntos, ela se separou do Senhor Araújo, aparentemente de maneira amigável. Ao mesmo tempo ela se voltou à vida acadêmica e política, mas sua tentativa de concluir o doutorado em ciências sociais fracassou em 1998.

Em 2000 ela adquiriu seu espaço com Lula e seu Partido dos Trabalhadores, que se volta sucessivamente para a combinação de crescimento econômico com o ataque à pobreza. Os dois se deram bem imediatamente e ela se tornou sua primeira ministra de energia em 2003. Dois anos depois ele a tornou chefe da casa civil e desde então passou a apostar nela para a sua sucessão. Ela estava ao lado de Lula quando o Brasil encontrou uma vasta camada de petróleo, ajudando o líder que muitos da mídia européia e estadunidense denunciaram uma década atrás como um militante da extrema esquerda a retirar 24 milhões de brasileiros da pobreza. Lula estava com ela em abril do ano passado quando foi diagnosticada com um câncer linfático, uma condição declarada sob controle há um ano. Denúncias recentes de irregularidades financeiras entre membros de sua equipe quando estava no governo não parecem ter abalado a popularidade da candidata.

A Senhora Rousseff provavelmente convidará o Presidente Mujica do Uruguai para sua posse no Ano Novo. O Presidente Evo Morales, da Bolívia, o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela e o Presidente Lugo, do Paraguai – outros líderes bem sucedidos da América do Sul que, como ela, têm sofrido ataques de campanhas impiedosas de degradação na mídia ocidental – certamente também estarão lá. Será uma celebração da decência política – e do feminismo.





quinta-feira, 23 de setembro de 2010

“Primeiro Deus, depois o Lula”


A nota publicada na edição de hoje do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, é emblemática do novo Brasil que emergiu com Lula e seguirá, mais democrático, mais popular, mais justo e mais soberano com Dilma. O breve registro sobre o padeiro Valdir José Lemos dispensa quaisquer outras considerações.

O padeiro Valdir José Lemos, de 57 anos, chegou a Curitiba em 2004 – com 12 parentes, entre primos, a mulher e três filhos. Saíram de Moreno, cidade na Zona da Mata de Pernambuco, e viajaram à capital paranaense atrás de oportunidades. Conseguiram.

O pernambucano chegou ao Paraná sem patrimônio. Hoje tem três carros e uma casa financiada – “faltam só dois anos para quitar”. Tudo conquistado com o salário de padeiro em um mercado do Alto Boqueirão. Ele acredita que tudo o que conquistou na vida deve-se “primeiro a Deus e depois ao Lula”.
Por isso, Valdir estava ontem no comício com a presença do presidente Lula para tentar falar com o conterrâneo mais ilustre e agradecê-lo. “Eu queria conversar com ele [Lula], mas tem muita gente. Tô desistindo e indo embora.”

No comício, ele segurava um cartaz: “Lula melhor presidente do Brasil. Vitória de Sto Antônio. Pernambuco. Próx a Limoeiro.” Imaginava que poderia chegar perto do palco e mostrar a cartolina a Lula, na esperança de que o presidente o chamasse para conversar ao ver que se tratava de um nordestino como ele. Não deu. Mas isso não abala a confiança que o presidente inspira nele. “Vou votar na Dilma porque assim tô votando no Lula.”

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A tentativa (de antemão fracassada) de reeditar o udenismo lacerdista

O tempo passa e as armas da direita continuam as mesmas: diante do fracasso nas urnas, arma confusão e planeja golpes. Desta vez, não podendo recorrer aos quartéis, e na iminência de uma derrota histórica, com traços de humilhação, conduz ao paroxismo a militância insolente de seu braço midiático. O golpismo udenista, ressuscitado pela direita, é objeto do texto a seguir, originalmente publicado no sítio Carta Maior.

Na reta final das eleições de 2010, a mídia demo-tucana desistiu de manter as aparências e ressuscitou o golpismo udenista mais desabrido e virulento. O arrastão conservador não disfarça a disposição de criar um clima de mar de lama no país nas duas semanas que separam a cidadania das urnas."Ódio e mentira", disse o Presidente Lula, no último sábado, em Campinas, para caracterizar a linha editorial que unifica agora o dispositivo midiático da direita e da extrema direita em luta aberta contra ele, contra o seu governo, contra o PT e contra a sua candidata, Dilma Rousseff.

Virtualmente derrotada a coalizão demo-tucana já não têm mais esperança eleitoral em Serra, que avalia como um 'estorvo', um erro e um fracasso. Sua candidatura sobrevive apenas como o cavalo-de-Tróia de um engajamento escancarado, quase cínico, de forças, interesses, veículos e colunistas determinados a sabotar por antecipação o governo Dilma, custe o que custar.

O objetivo é criar uma divisão radicalizada na sociedade brasileira, mobilizando a elite e segmentos da classe média em torno de um movimento que caracterize o resultado das urnas como ilegítimo. A audácia sem limite cogita, inclusive, levar Dilma a depor no Senado, às vésperas do pleito que deve consagrá-la Presidente do país. Um claro desafio à vontade popular, típico da provocação golpista. A receita é a mesma pregada por Carlos Lacerda, em junho de 1955, quando era evidente a vitória de Juscelino Kubitschek contra a UDN. O lema de ontem comanda a ordem unida que articula pautas, capas e manchetes nestes últimos 12 dias de campanha. O que Lacerda disse é o que se pratica hoje, de forma aberta ou dissimulada, em todos os grandes veículos de comunicação: " Este homem não deve ser candidato; se candidato, não pode ganhar; se ganhar, não deve tomar posse; se tomar posse não deve governar...".

sábado, 18 de setembro de 2010

Lula em estado puro anima o povo no palanque de Minas


Insuspeito por suas óbvias opções políticas e ideológicas, o jornalista Josias de Souza publicou em seu  blog um texto em que Lula aparece, digamos, em estado puro. O Lula que, no palanque, diante do povo, solta-se para além das vestes da Presidência. Um Lula que faz rir, que entusiasma e, como sempre, comove. Vale a pena ver.

Lula ironizou na noite desta sexta (17) a mais nova plataforma de campanha de José Serra: o salário mínimo de R$ 600. “Agora, na política, vale tudo. Eles prometem mais aumento para o salário mínimo. Êêêêêta homem bom. Será que eles pensam que o povo é tonto?”

As provocações de Lula soaram do alto de um palanque montado na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. O comício foi transmitido ao em tempo real na web. Ao lado da pupila Dilma Rousseff, Lula evocou a era FHC: “Eles governaram esse país por muitos anos e não fizeram o que estão prometendo agora”.

Erguendo a voz, Lula insinuou que o tucanato prefere os ricos aos pobres. Disse que tucano só olha para baixo em época de eleição. “Não tem um político que tenha coragem de ir pra televisão defender os ricos. Todo mundo defende pobre. Quanto mais pobre, mais ele adora...”

“...Só que, depois das eleições, se eles ganham, o primeiro café da manhã não é com os pobres, é com os ricos. O primeiro almoço que eles fazem não é com os pobres, é com os riscos. A primeira janta também não é com pobres, é com ricos”.

Deu a entender que Serra saiu-se com a idéia de elevar o valor do mínimo porque já antevê a derrota. “Eu tô sabendo que tem gente nervosa.. E não somos nós que estamos aqui”. Fez um pedido à platéia: “Levanta a mão pra ver se tem alguém tremendo aqui”.

Atendido, emendou: “Não tem ninguém tremendo. Do lado de lá, se eu mandar levantar a mão, tem gente que vai cair os dedos de tanta tremedeira. Eles estão com raiva. Primeiro porque não acreditavam que fôssemos ganhar em 2002. Ganhamos...”

“...Depois, eles acreditavam que não ia dar certo e que, quatro anos depois, eles voltavam. Se enganaram. Nós ganhamos outra vez. Depois, eles pensaram que não ia dar certo. E deu tão certo que até eles colocam a minha cara no programa deles na TV, como se fossem meus amigos”.

Recordou o menosprezo com que o nome de Dilma foi recebido quando ele a anunciou que ela seria sua candidata à sucessão. “Eles diziam: Esse lula é louco. Ele vai escolher uma mulher? O Brasil não tem hábito de votar em mulher. Vai vai escolher pessoa que não tem culturea política...”

“...Uma pessoa que não participa das reuniões partidárias, que nunca foi deputada, senadora, vereadora, prefeita. O lula tá louco. Algumas pessoas diziam assim: [...] Ele ta escolhendo alguém que nunca fez comício, nunca fez debate na TV com especialistas”.

Nesse ponto, alfinetou Serra: “Tucano já nasce pensando que é especialista”. Continuou: “Eles achavam que a Dilma era um caso derrotado. E eu dizia: pobres coitados, não sabem o que os espera”.

Voltando-se para Dilma, emendou: “Precisou apenas poucos dias e poucos debates, pra essa mulher já estar 27 pontos na frente deles em todo território nacional”. Desdenhou das chances de Serra: “Eles sabem que tá mais fácil ela [Dilma] crescer mais [nas pesquisas] do que eles crescerem”.

Sem mencionar o nome de Serra, disse como avalia a participação dele nos debates presidenciais: “Tem candidato que vai no debate com a Dilma, que eu pensava que era moderno, e o cidadão tem cara de ontem. Pensa como um cara de anteontem”.

Como de praxe, dedicou um pedaço do discurso à imprensa. Disse: “Alguns dos órrgaos de jornais deviam ter a cor e a cara do candidato que eles defendem, parar de falar em neutralidade...”

“...Quem faz oposição nesse país é determinado tipo de imprensa. Ahhh, como inventa coisa contra o Lula. Se eu dependesse deles para ter 80% de aprovação, teria zero, 90% das coisas boas desse país não são mostradas”.

Além de Dilma, dividiram o palanque com Lula os integrantes da chapa de Hélio Costa (PMDB), candidato ao governo mineiro. Ao defender a eleição dos aliados, insinuou que o tucano Aécio Neves e o candidato dele, Antonio Anastasia, não o querem em Minas.

“Tem gente que gostaria que eu não viesse aqui. Ahhh, meu Deus, imagina vocês! Eles gostariam que é que nós não existíssemos. Esse negócio de peão ser presidente e, agora, uma mulher... É demais. Não há quem agüente. [...] Essas pessoas acham que o Estado é uma espécie de quintal e que eles são donos”.

Ironizou Aécio, acusado pelo comando da campanha tucana de “esconder” Serra na sua campanha para o Senado e na de Anastasia para o governo. “Se eles tem vergonha dos candiatos deles, eu não tenho vergonha dos meus candidatos”.

Disse que, eleito, Hélio Costa governará Minas em parceria com Dilma, a quem chamou de “a próxima presidenta do Brasil”. Serviu-se, uma vez mais, da ironia:

“Os tucanos, em alguns lugares, não querem programa do governo federal para não dizer que aceitaram coisa do governo federal. Em outros lugares, utilizam. Mas mudam de nome”.

Referindo-se a Minas, Estado governador por Aécio até abril, pespegou: “Aqui, o [programa] Luz Para Todos virou Luz de Minas. O dinheiro era nosso, mas o nome era deles. Tinha outros proramas que eles mudaram de nome. Com Dilma e Helio não temos vergonha de dizer que somos parceiros”.




sábado, 11 de setembro de 2010

Compañero Allende! Presente! Ahora y siempre!


Capacete, fuzil e sonhos: a epopéia de Salvador Allende não nos abandona

Há exatos 37 anos, a morte trágica do Presidente chileno Salvador Allende, lutando no Palácio de La Moneda contra as hordas fascistas do soturno General Augusto Pinochet, encerrava com heroísmo e sangue uma singular tentativa de caminho para o socialismo e, ao mesmo tempo, inaugurava uma das ditaduras mais cruentas da América Latina.

Eleito em 1970, após três tentativas de chegar à Presidência, o médico e líder socialista Salvador Allende Gossens liderou o governo da Unidade Popular, incluindo socialistas, comunistas e outros segmentos da esquerda chilena. Partidário da possibilidade de instaurar o socialismo a partir das urnas, no contexto mesmo da democracia burguesa, Allende conduziu seu governo por um caminho que não considerava nem reformista, nem social-democrata, mas de democratização radical de todas as esferas da vida social. Era o que entendia como o grande eixo da transformação, o rumo para resolver o complexo e estratégico problema do poder político, o caminho para o socialismo chileno que, num discurso de maio de 1971, definiu como “libertário, democrático e pluripartidário”.

Assim, expropriou terras e iniciou a socialização de importantes empresas privadas, que passaram à direção de cooperativas de trabalhadores, nacionalizou as minas cobre, sem o pagamento de indenizações às empresas norte-americanas que até então detinham o controle dessa área estratégica, subsidiou parte dos serviços básicos e apoiou organizações populares da cidade e do campo em suas demandas de participação. Em resposta, o povo o apoiou. Nas eleições parlamentares de 1971 e nas municipais de 1973, os partidos integrantes da Unidade Popular cresceram em votos. Mas a direita também respondeu aos avanços sociais do governo com uma oposição cada vez mais virulenta.

Conspiração

Aliás, a reação conservadora havia se instalado antes mesmo de Allende assumir a Presidência. A pequena vantagem do socialista diante dos outros concorrentes conduziu a decisão para o Congresso. Somente após exaustivas negociações, sobretudo com a democracia-cristã do Presidente Eduardo Frei, é que Allende foi proclamado Presidente da República, em 24 de outubro de 1970. A direita tentara evitar a eleição com o expediente de sempre, unindo estardalhaço e tramas golpistas. Um comando de sua ala mais extremista assassinou o comandante do Exército, General René Schneider, decidido partidário da subordinação do poder militar ao civil. Objetivo: instalar o medo e a insegurança no país, sobretudo em suas camadas médias, tumultuar o processo eleitoral, criar pretexto para intervenções. Não conseguiu. Mas persistiu.

Em duas frentes a direita cumpriria seu destino. Na legal, tentando cercar o governo no parlamento; na ilegal, desencadeando sabotagens (dinamitou torres de alta tensão e linhas férreas), boicotes, desabastecimento dos gêneros de primeira necessidade. Também o governo estadunidense cumpria seu destino de permanente inspiração reacionária e golpista, participando ativamente – inclusive com recursos financeiros – do complô direitista contra a Unidade Popular. Já em outubro de 1970, portanto antes mesmo da posse de Allende, o embaixador em Santiago, E. Korry, garantia em carta a Eduardo Frei: "Deve saber que não permitiremos que chegue ao Chile um parafuso, nem uma porca... Enquanto Allende permanecer no poder, faremos tudo ao nosso alcance para condenar o Chile e os chilenos às maiores privações e misérias...".

Bloqueado pelos Estados Unidos e sob rigoroso boicote da direita, o governo via a produção se bens ser drasticamente reduzida e ainda enfrentava uma corrosiva alta inflacionária. Criou-se uma situação de desabastecimento que gerou imensas mobilizações a favor e contra o governo. A famosa greve geral dos transportes, organizada e financiada pela burguesia chilena, com apoio irrestrito da CIA, praticamente inviabilizou o trânsito de bens pelo país. Por seu turno, setores mais à esquerda da Unidade Popular radicalizavam seu discurso, chegando a propor a Allende o fechamento do Congresso e o uso de medidas excepcionais para poder governar. O país estava cindido. A luta de classes ganhava as ruas.

Mas o Presidente resolveu negociar, convidando líderes militares para compor o gabinete e oferecendo a realização de um plebiscito em que os chilenos optariam por continuar ou não o regime, podendo, inclusive, votar pela convocação de novas eleições. Mas nada disso arrefeceu a crise. O lobo faminto da direita exigia a cabeça de Allende que, diante das intransigências da oposição, decidiu cercar legalmente alguns dos seus setores mais radicais. Ao mesmo tempo, enfrentava grupos de esquerda que lhe cobravam rupturas. Os impasses se sucediam.

Golpe à vista

Num certo momento, a também oposicionista democracia-cristã aliou-se à direita para preparar o golpe de estado. Uma primeira tentativa ocorreu em junho de 1973, o chamado El Tancazo, quando um regimento de blindados de Santiago ergueu-se contra o governo, sendo, no entanto, contido. Finalmente, em 11 de setembro, sob o comando do General Augusto Pinochet, as forças armadas cercaram o Palácio de La Moneda. Allende rejeitou o ultimato da rendiçã.. O palácio foi bombardeado. O velho socialista, então com 65 anos, mandou que os funcionários deixassem a sede do governo. E lá se manteve na companhia de alguns correligionários mais próximos, em meio aos balaços de fuzis, metralhadoras e canhões do fascismo e ao ruído ensurdecedor dos raides, à poeira vulcânica das explosões. As 9h20min daquela manhã de 11 de setembro de 1973, em que a sorte do Chile estava sendo dramaticamente lançada, Allende se aproveitou da rádio Magallanes, a única ainda ao seu alcance, para transmitir ao povo chileno a mensagem derradeira. Sua voz serena e firme impôs-se aos ruídos dos bombardeios, das correrias e gritos da resistência em palácio:

"Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende se impor, será superado. Sigam sabendo que muito mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem [livre] digno que quer construir uma sociedade melhor...”.

E lá morreu, vestindo um capacete militar e portando o fuzil que lhe fora presenteado por Fidel Castro. Vitorioso, o golpe arrastaria o Chile para as sombras do terror. Até sucumbir, 16 anos depois, a ditadura pinochetista assassinaria mais de três mil chilenos por razões políticas e mandaria outros dez mil aos cárceres, à tortura e ao exílio.

O corpo de Salvador Allende foi depultado num túmulo modesto do cemitério de Viña del Mar, no litoral, sem sequer uma placa que o identificasse. Ali repousou por quase 18 anos. Somente em 1990, por ordem do Presidente Patricio Aylwin, o primeiro mandatário chileno da era democrática pós Pinochet, recebeu um novo funeral, desta vez no Cemitério Geral de Santiago, com as devidas honras de chefe de Estado. Em 2000, Allende ganhou uma grande estátua de corpo inteiro diante do restaurado palácio de La Moneda.

Exames e conclusões

Fica para os cientistas políticos e historiadores colocar sob os crivos da ciência os amplos e profundos significados da obstinada e heróica tentativa de Salvador Allende de transitar para o socialismo sem as necessárias rupturas estruturais. Houve, talvez, ilusões demais, num mundo sob o tacão da Guerra Fria e numa América Latina aprisionada por ditaduras militares. Talvez alguns tenham sido voluntaristas demais, alheios à correlação de forças. Ou, quem sabe, tímidos demais diante da luta de classes que avançava, virulenta, pelas ruas. Que o digam os estudiosos. De todo modo, foram todos heróicos combatentes.

O mundo mudou nesses quase 40 anos. O capitalismo derrotou as primeiras experiências socialistas do século XX. A América Latina também mudou, varreu os regimes militares e, após sofrer as agruras do neoliberalismo, voltou-se quase toda ela para a esquerda. Há países, como a Venezuela e a Bolívia, cujos governos eleitos reivindicam a construção do socialismo a partir das superestruturas políticas e ideológicas do capitalismo. Experiências a serem observadas, essas sob a liderança de Chavez e Evo.

Mas, repito: aos estudiosos a missão do exame e das conclusões. Aqui, modesto escrita, reportei o que assisti, jovem e ainda que à distância, exultando com os chilenos pela vitória de Allende, amargando com eles a crônica perversa de sua derrota.


Leia a seguir a derradeira mensagem de Salvador Allende aos chilenos, na manhã de 11 de setembro de 1973, quando o palácio de La Moneda já estava sob o bombardeio dos fascistas.

Compatriotas:

Esta será seguramente a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A aviação bombardeou as antenas da Radio Portales e Radio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção, e elas serão o castigo moral para os que traíram o juramento feito: soldados de Chile, comandantes-em-chefe titulares e mais o almirante Merino, que se autodesignou, e o senhor Mendoza, esse general rasteiro, que ontem me manifestara sua fidelidade e lealdade ao governo.


Frente a estes fatos, só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar!


Colocado neste transe histórico, pagarei com minha vida a lealdade do povo, e digo-lhes que tenho certeza que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser apagada definitivamente. Eles têm a força, mas não se detêm processos sociais pelo crime e pela força. A História é nossa, ela é feita pelos povos.

Me dirijo ao homem chileno, operário, camponês, intelectual, àqueles que serão perseguidos porque em nosso país o fascismo já se faz presente há algum tempo em atentados terroristas, sabotagens de estradas de ferro e pontes, oleodutos e gasodutos.


Frente ao silêncio dos que tinham a obrigação ... [interrupção momentânea da transmissão da Radio Magallanes] - ... a que estavam submetidos. A História os julgará.


Seguramente, Radio Magallanes será calada e o metal tranqüilo da minha voz não chegará mais a vocês... Não importa ... Não importa, vocês seguirão me ouvindo, estarei sempre junto de vocês, pelo menos minha lembrança será de um homem digno, leal à lealdade dos trabalhadores.


O povo deve se defender, mas não se sacrificar. Não deve deixar-se arrasar nem crivar de balas, mas tampouco pode se deixar humilhar.


Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende se impor, será superado. Sigam sabendo que muito mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem [livre] digno que quer construir uma sociedade melhor...

Viva Chile, viva o povo, vivam os trabalhadores... Estas são minhas últimas palavras ... Tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão, tenho certeza de que pelo menos será uma lição moral que castigará a felonia, a covardia e a traição....

sábado, 4 de setembro de 2010

Marina no colo da direita

Na política, mas também nas demais esferas da vida, para se evitar erros é preciso saber quem é quem por trás das aparências e qual o jogo realmente estabelecido. Neste sentido, o presente artigo de Emnir Sader é essencial.

No Forum Social Mundial de Belém, em janeiro de 2009, Marina propagava que ela seria o Obama da Dilma. Já dava a impressão que as ilusões midiáticas tinham lhe subido à cabeça e que passava a estar sujeita a inúmeros riscos.

De militante ecologista seguidora de Chico Mendes, fez carreira parlamentar, até chegar a Ministra do Meio Ambiente do governo Lula, onde aparecia como contraponto de formas de desenvolvimentismo que não respeitariam o meio ambiente. Nunca apresentou alternativas, assumiu posições perdedoras, porque passou ao preservacionismo, forma conservadora da ecologia, de naturalismo regressivo. Só poderia isolar-se e perder.

Saiu e incutiram na sua cabeça que teria condições de fazer carreira sozinha, com a bandeira supostamente transversal da ecologia. Saiu supostamente com criticas de esquerda ao governo, mas não se deu conta – pela visão despolitizada da realidade que tem – da forte e incontornável polarização entre o bloco dirigido por Lula e pelo PT e o bloco de centro direita, dirigido pelos tucanos. Caiu na mesma esparrela oportunista de Heloisa Helena de querer aparecer como “terceira via”, eqüidistante entre os dois blocos, ao invés de variante no bloco de esquerda.

Foi se aproximando do bloco de direita, seguindo as trilhas do Gabeira – que tinha aderido ao neoliberalismo tucano, ao se embasbacar com as privatizações, para ele símbolo da modernidade – e foi sendo recebido de braços abertos pela mídia, conforme a Dilma crescia e o fantasma da sua vitória no primeiro turno aumentava.

As alianças da Marina foram consolidando essa trajetória na direção do centro e da direita, não apenas com empresários supostamente ecologistas – parece que o critério do bom empresário é esse e não o tratamento dos seus trabalhadores, a exploração da força de trabalho – e autores de auto-ajuda do tipo Gianetti da Fonseca, ao mesmo tempo que recebia o apoio envergonhado de ecologistas históricos.

O episódio da tentativa golpista da mídia e do Serra é definidor. Qualquer um com um mínimo de discernimento político se dá conta do caráter golpista da tentativa de impugnação da candidatura da Dilma – diante da derrota iminente no primeiro turno – com acusações de responsabilidade da direção da campanha, sem nenhum fundamento. Ficava claro o objetivo, típico do golpismo histórico – que vinha da UDN, de Carlos Lacerda, da imprensa de direita e que hoje está encarnado no bloco tucano-demista, dirigido ideológica e política pela velha mídia.

Marina, ao invés de denunciar o golpismo, se somou a ele, tentando, de maneira oportunista, tirar vantagens eleitorais, dizendo coisas como “se a Dilma (sic) faz isso agora, vai saber o que faria no governo”. Afirmações que definitivamente a fazem cair no colo da direita e cancelam qualquer traço progressista que sua candidatura poderia ter até agora. Quem estiver ainda com ela, está fazendo o jogo da direita golpista, não há mais mal entendidos possíveis.

Termina assim a carreira política da Marina, que causa danos gravíssimos à causa ecológica, de que se vale para tentar carreira oportunista. Quando não se distingue onde está a direita, se termina fazendo o jogo dela contra a esquerda.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Não dá para brigar com a realidade


Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do banco Bradesco, 'vazou' nesta 5º feira, 2, informações que atingem de forma letal a candidatura Serra. Aspas para as inconfidências de Trabuco:

I] "O que sentimos, tendo por base nosso relacionamento com 1,4 milhão de empresas, é que o Brasil está crescendo em todos os setores. Não há uma dependência setorial".

II] "...11 milhões de brasileiros vão viajar pela primeira vez de avião nos próximos 12 meses".

III] "...o Brasil passará nos próximos anos pelo melhor ciclo econômico de sua história; vamos vivenciar, na segunda década do século XXI, aquilo que foi chamado de "sonho americano".

Ao longo do dia, de diferentes áreas do governo e da economia, outros vazamentos sacudiriam a combalida higidez da candidatura José Serra, a saber:

A] O BC interrompe alta dos juros.

B] A carga tributária declina.

C] As vendas recordes de automóveis em agosto.

D] A massa salarial tem aumento real de 32,7% entre 2004 e 2010.

E] As classes C e D já superam a classe B em poder de consumo.

F] O setor industrial investe R$ 549 bilhões até 2013.

G] Definida a capitalização da Petrobras: fatia estatal da empresa deve saltar de 29% para 42% e garantir - à revelia do condomínio midiático-tucano - a soberania brasileira no pré-sal.

H] A infraestrutura teve R$ 199 bilhões em investimentos entre 2005 e 2008 e terá mais R$ 310 bilhões entre 2010-2013.

I] O Brasil realiza os três maiores investimentos em geração de energia elétrica do planeta - Jirau e Santo Antônio e Belo Monte.

J] O otimismo dos brasileiros atinge o maior nível em 9 anos.

Visivelmente abalado, no final do dia, o candidato tucano retomaria seu discurso contra as Farcs, contra Morales, o narcotráfico, o PT...

[Publicado no sítio Carta Maior, em 02/09/10]

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Vem por aí a cantilena da “ameaça à democracia”

É sempre assim: derrotada, a direita se diz vítima de uma esquerda que, a seu ver oportunista, a esmaga e, assim, “ameaça a ordem democrática”

A oposição, ao longo dos últimos oito anos, assacou contra o Presidente Lula uma constelação de achincalhes e vitupérios. Houve até um senador amazonense que ameaçou bater fisicamente em Lula. É claro que os ataques sempre foram modulados pelas conveniências político-eleitorais da oposição, e tornaram-se mais difíceis nos últimos tempos, quando o prestígio popular alcançou patamares estratosféricos e insultá-lo passou a ser eleitoralmente desvantajoso. Mas que existiram, essas afrontas, existiram e, convenhamos, bem contundentes. A tudo o Presidente assistiu com espírito, digamos, paciencioso, com o bom humor de sempre e a profunda convicção democrática que o caracteriza.

No entanto, bastou Lula, em campanha pela eleição de Dilma, elevar um pouco o tom contra os adversários, e o caldo parece ter entornado, com a oposição sacudida por um histerismo desmesurado. O fato ocorreu na última sexta-feira, 27, num comício em Pernambuco. Atacados politicamente pelo Presidente, o Deputado-Federal Raul Jugmann (PPS), candidato ao Senado na chapa do tucano-peemedebista Jarbas Vasconcelos, protagonizou uma cena que mescla ridículo, destempero e oportunismo. O parlamentar afirmou que cogita pedir “garantia de vida à Polícia Federal”. “Vou declarar-me o primeiro perseguido político da era do chavismo lulista”, berrou. Para ele, Lula quer “esmagar” a oposição, num coro alimentado por Vasconcelos, para quem o Presidente “se considera acima de tudo, da Constituição, da Justiça, do Tribunal de Contas, do Congresso. É um semideus. Então, acha que pode tudo".

Conversa de sempre

A reação – entre lamuriosa e indignada - dos oposicionistas pernambucanos às críticas do Presidente seria apenas ridículo não fosse a manifestação esperada de uma direita que, historicamente, se comporta assim: diante de suas derrotas frente a uma esquerda fortalecida, com enorme respaldo popular e, por isso, amplamente vitoriosa, começa a cacarejar – com o histrionismo de sempre - sobre uma suposta ameaça à ordem democrática.

A direita sempre se comporta assim, e não só no Brasil. Anos atrás, na Venezuela, a oposição decidiu não participar das eleições ao parlamento que, assim, terminou ocupado majoritariamente por chavistas. Daí passou a gritar contra as “ameaças à democracia” decorrentes de um congresso com maioria situacionista. O sucesso popular de governos de esquerda – a Bolívia e o Equador são outros casos – é apresentado pelas direitas locais como “esmagamento da oposição” e, portanto, “ameaças à democracia”.

Preparemo-nos, portanto, para o incremento desse jogo oportunista no Brasil já no contexto dessas eleições. Envelhecida, sem propostas e lideranças carismáticas, deslocada do que o Brasil vive atualmente e dos anseios populares, a direita recorre aos velhos cantochões que, aos mais antigos, já não assusta, embora entedie. Ora é o discurso do medo, ora o da competência, ora esse berreiro sobre liberdade política, tudo isso tratado com a teatralidade necessária para criar, no eleitorado, um estado de espírito que a favoreça. Bem, não havendo propostas – ou melhor, não podendo a direita confessar seus desígnios, porque avessos aos interesses populares – só restam tais expedientes de baixo calão.

Democracia, para essa gente, é estar à vontade para exercer seu domínio autoritário e elitista em favor dos mais ricos, serviçal de interesses externos, considerando políticas sociais meras esmolas e o povo, afinal, um mal necessário. Tudo o que perturbe essa ordem de exploração, é apresentado como “ameaça à democracia”. Discurso velho, mas que ainda ilude alguns incautos.