quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Julio Manfredini na memória do PCdoB

Luiz Manfredini

Em meados de julho, em São Paulo, comecei a transferir para o Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois livros remanescentes da biblioteca de Julio Manfredini, meu avô. Nessa primeira partida, foram 26 livros, sobretudo romances de coleções editadas nos anos 40 e 50 pelas editoras Brasiliense e Vitória. Nas próximas, serão publicações marxistas e livros a respeito da construção do socialismo na União Soviética e das lutas revolucionárias pelo mundo, incluindo, obviamente, o Brasil (particularmente sobre a campanha O petróleo é nosso).

Certamente meu avô aprovaria minha atitude, satisfeito por ver seus livros ganharem leitores, fomentarem consciência. Era um amante extremado da cultura. Nos 26 anos em que convivemos, só me presenteou com livros. A mim, seu afilhado, e aos demais netos. Era o que verdadeiramente o interessava: o saber como ferramenta da transformação da sociedade e como parâmetro de valoração do ser humano. Por isso foi um autodidata de vasta cultura e também por isso ingressou no Partido Comunista do Brasil, então PCB, no contexto da insurreição de 1935. Foi um caso raro de ingresso no Partido com idade mais avançada: estava com 53 anos e, pelos 41 anos restantes de vida – até sua morte, em maio de 1976 – nunca deixou de ser comunista.

Nas fileiras do partido foi militante aplicado. Dirigente principal durante alguns momentos das décadas de 40 e 50, foi suplente de Deputado Estadual nas eleições de 1945 pela legenda comunista. Mais tarde, já passado dos 70 anos, tornou-se uma espécie de Presidente de Honra e referência ideológica e intelectual sólida para os revolucionários paranaenses. Ainda assim, era comum vê-lo acompanhar seus jovens companheiros da célula Marcílio Dias em pixações noturnas com os velhos bastões de cera.

Como a grande maioria do Partido, Julio Manfredini ficou com a corrente liderada por Luiz Carlos Prestes na grande divisão de 1962. Mas nunca o ouvi detratar os que reorganizaram o Partido. Não me pareceu ser daqueles que os considerava liquidacionistas. Assim como boa arte dos comunistas sinceros da época, a perplexidade diante dos acontecimentos que se arrastavam desde o XX Congresso do PCUS, em 1957, e a idéia entranhada da unidade partidária, o levaram a seguir a linha hegemônica onde pontificava a figura emblemática de Prestes.

O que restou

A vasta biblioteca de Júlio Manfredini – conhecida e respeitada por seus camaradas – começou a ser desmantelada por volta do final de 1968 quando a família, atemorizada com a edição do Ato Institucional número 5, resolveu destruir coleções de jornais e revistas que o velho mantinha em um paiol nos fundos da casa da Rua Saldanha Marinho. Aí perdeu-se, por exemplo, uma coleção completa da revista “Problemas”, editada pelo Partido. Também se foram, nessa faina de medo, livros, papéis e documentos de grande valor memorialístico da trajetória do Partido no Paraná.

Quando meu avô morreu, em 1976, herdei o que restava da biblioteca, sem, no entanto, levar comigo as obras literárias, salvo aquelas mais relacionadas às lutas revolucionárias (como, por exemplo, volumes dos “romances do povo”, que acabo de doar ao Centro de Documentação e Memória). Tempos atrás, distribui mais de 500 volumes entre um sebo e a Biblioteca Pública do Paraná. Não faz sentido reter em casa livros tão emblemáticos da construção do socialismo na URSS e da luta revolucionária no mundo. Parece-me que o CDM é o local mais adequado. Lá os livros estarão guardados em condições apropriadas, acessíveis aos estudiosos do marxismo e das experiências socialistas. Na primeira semana de agosto, transferirei nova partida e assim até completar a entrega dos volumes que interessarem ao CDM. Neste sentido – e com muito orgulho – digo que Julio Manfredini, meu avô, militante e dirigente comunista, estará ainda mais vivo na memória do PCdoB.



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