sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Concentração da riqueza e perspectiva do socialismo

José Carlos Ruy *

Não se pode considerar apenas do ponto de vista moral o relatório divulgado nesta semana pela Oxfam sobre a concentração da riqueza no mundo, por escandalosos que sejam os números apresentados. A realidade objetiva ali descrita ilustra a essência do capitalismo e é dessa maneira que aqueles dados precisam ser avaliados.

Ele tem um título significativo: Wealth: having all wanting more (Riqueza - tendo tudo e querendo mais, numa tradução livre; o relatório pode ser lido, em inglês, no endereço http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/ib-wealth-having-all-wanting-more-190115-en.pdf ).

Ele descreve uma situação que não é nova nem surpreendente para os analistas criticos do capitalismo - sistema cuja tendência, como Karl Marx denunciou faz mais de 150 anos, é concentrar de maneira extrema a riqueza no polo formado pelos donos do capital e disseminar a pobreza por todo lado.

Concentrar renda e riqueza faz parte da natureza do modo de produção capitalista. O relatório da Oxfam é a descrição mais recente e atualizada dessa tendência que se acentuou nas últimas décadas: aquele 1% de privilegiados viu sua parcela da riqueza crescer 60% nos últimos 20 anos apesar da crise econômica.

Aquela parcela mínima de seres humanos privilegiados detinha, em 2014, 48% da riquerza existente, e sua parcela cresce apesar da crise econômica mundial. Em 2009, eram donos de 44% da riqueza; daqui a dois anos, sua fatia poderá superar 50% do total, dando então àquele 1% mais riqueza do que terão todos os demais 99% dos seres humanos.

Outro dado que ilustra essa extrema concentração mostra que apenas 80 supermiiionários tem mais dinheiro do que a metade mais pobre dos habitantes do planeta, formada por , 3,5 bilhões de pessoas. Esse dado fica ainda mais dramátrico quando se leva em conta que mais de um bilhão de pessoas mal tem dinheiro para comer, sendo forçadas a sobreviver com menos de R$ 3,00 (três reais) por dia.

Segundo o relatório, considerando o grupo intermediário dos 20% da população (que seria dono de 46% da riqueza), sobraria para os demais 80% dos seres humanos apenas 5,5% da riqueza existente. Pelo cálculo da Oxfam, cada um dos mais ricos tem tanto dinheiro quanto 700 dos mais pobres!

A Oxfam surgiu na Inglaterra em 1942 para combater a fome e a pobreza. Ela faz parte de uma linhagem de organizações que aparecem de tempos em tempos para tentar dar uma face mais “humana” ao capitalismo.

Neste sentido, o relatório agora divulgado tem o objetivo de sensibilizar os multimilionários reunidos no Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça) onde vai debater os problemas e impasses provocados pela extrema concentração da riqueza. Na mais autêntica linhagem dos socialistas utópicos do passado, que se dirigiam aos muito ricos por reformas no capitalismo, dirige-se à cúpula multimilionária com o mesmo objetivo.

Winnie Byanyima, diretora-executiva da Oxfam e co-presidente do Fórum Econômico Mundial, não esconde a perplexidade e preocupação com os dados recentes e pensa que se a tendência à concentração não for controlada, haverá uma ameaça à estabilidade global. "A amplitude das desigualdades mundiais é vertiginosa", disse.

O estudo reafirma a existência de riscos que já apontou em relatórios anteriores. Além da ameaça cada vez maior de guerras e de crises políticas, a concentração de riqueza em poucas mãos de poucos inibe o desenvolvimento da economia e representa riscos ambientais.

Estas questões, que são relevantes, impõe uma pergunta: é possível, no limiar do modo de produção capitalista, eliminar os males apontados?

O modo de produção capitalista prepara, em seu desenvolvimento, as condições para a nova forma de organizar a vida que vai substituí-lo. Um modo de produção resulta do desenvolvimento econômico, social, cultural e ideológico da humanidade e, até agora, nenhum deles foi eterno, qualidade de durabilidade no tempo que o capitalismo também não tem. O capitalismo,desde que surgiu, fez a riqueza disponivel avançar de maneira nunca vista até então, e isto foi reconhecido pioneiramente por Marx e Engels, no próprio Manifesto do Partido Comunista, de 1848.

Mas, ao lado da riqueza e dos avanços, o modo de produção capitalista trouxe contradições que pensalizam o povo e os trabalhadores. A mais severa delas talvez seja a tendência natural no capitalismo da concentração da renda e da riqueza.

Esta tendência pode ser vista também como uma das contradições que pode acelerar a superação final deste sistema por outra forma de organização da vida. Por várias razões. Uma delas decorre do fato de que a concentração de renda e riqueza, que se acelera nos momentos de crise econômica deste sistema, coloca em xeque o funcionamento da lei do valor e pode comprometer a capacidade do capitalismo reproduzir-se como sistema.

A tendência à concentração opera aqui de duas maneiras, ambas igualmente nocivas para o sistema capitalista. Por um lado, ela cresce nos momentos em que as crises econômicas provocam desemprego em massa e queda nos salários dos trabalhadores. São momentos em que se acentua a concorrência intercapitalista, provocando maior aplicação da ciência à produção capitalista (a chamada tecnologia). Ao lado disso crescem também os investimentos financeiros, quase sempre improdutivos (buscam ganhos em juros e não na produção). O resultado aqui é o velho conhecido dos trabalhadores: o desemprego em massa.

Em consequência há forte queda na produção de riqueza nova e, assim, da mais valia apropriada pelo capital. Dito de outra maneira, a queda nos investimentos produtivos, o desemprego e a crescente aplicaçlão da ciência à produção alteram aquilo que Marx chamou de “composição orgânica” do capital. Cresce o chamado capital constante (máquinas e equipamentos) e diminui a parcela relativa do capital variável (formado pelos salários pagos aos trabalhadores). Como a taxa de lucro na produção capitalista resulta da relação entre capital constante e capital variável, a alteração em que aquele cresce e este diminui tem uma consequência funesta para o capital: a tendência à queda na taxa de lucros. Com o corolário das dificuldades crescentes para a reprodução do capital.

Uma das ameaças citadas no relatório da Oxfam pode ser entendida como uma referência a estas dificuldades; ela diz respeito explicitamente às ameaças que a concentração de riqueza representa para o desenvolvimento da produção.

Outro aspecto das “ameaças” representadas pela concentração de renda e riqueza é aquele em que esta concentração pode ser encarada como uma antessala do socialismo. Riqueza e propriedade concentradas em poucas mãos significam também o aumento do número de pessoas dedicadas à sua administração. Um capitalista não é um super-homem com poderes excepcionais e capaz de administrar sozinho, ou num pequeno grupo, tanta propriedade e dinheiro. É um trabalho que exige verdadeiros exércitos de trabalhadores, em escritórios ou mesmo nas formas contemporâneas de trabalho em domicílio. Eles aplicam seus conhecimentos e talentos para gerir propriedades e interesses alheios. Ao dedicar-se a esta tarefa antecipam também tarefas semelhantes que poderão desempenhar no futuro - só que num sistema de outra natureza, gerido por uma lógica oposta à do capitalismo. Se neste sistema servem ao lucro e à ganância, num sistema que o substitua poderão servir à vida e ao bem estar de todos. 


De novo está recolocada para a humanidade a mesma encruzilhada já apontada faz tantos anos por Engels e Rosa Luxemburg: socialismo ou barbárie. A humanidade acumulou conhecimentos e produção material suficientes para um novo passo civilizatório. E só a ousadia desse passo poderá significar a superação das mazelas e ameaças apontadas pelo relatório da Oxfam.

 
José Carlos Ruy é jornalista, membro da Comissão Editorial da revista Princípios e do Comitê Central do PCdoB            

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