|
|
|
|
|
|
|
Seu livro "Engagement and
Metaphysical Dissatisfaction" está em fase de tradução no Brasil (ainda
sem prazo para a edição) e há planos de versão para o seu clássico "The
Significance of Philosophical Scepticism".
Barry Stroud - Sociedades divididas do ponto de vista econômico estão se
dirigindo para extremos. Os ricos estão ficando mais ricos, enquanto os pobres
mais pobres. É o que está acontecendo nos EUA e na Europa. O que mudou nos
últimos 20 anos é o tremendo poder das finanças, que funcionam um pouco como
uma jogatina. O grande produtor de riqueza nesses países não é o real produtor
de bens. Há poucas razões para achar que isso não vai continuar, pois falta
regulamentação nesses mercados.
Encoraja as pessoas que não têm muito a tentar viver o tipo de vida que eles
acham que aqueles que ganham muito dinheiro têm. É focar em ganhar vantagem.
Consumismo e individualismo. A pressão para o avanço profissional e o sucesso é
muito profunda, principalmente na cultura norte-americana. Sou professor em uma
das melhores universidades do mundo. Ensino filosofia, área que não significa
ficar rico. Mesmo meus melhores alunos são forçados a pensar neles como iniciantes
de uma carreira profissional, são focados no carreirismo em detrimento do
verdadeiro assunto de seu estudo. Mesmo entre professores isso ocorre e é
terrível. Há uma grande profissionalização na sociedade. Não quero dizer que as
pessoas não estejam fazendo trabalhos sérios em suas áreas, na ciência, por
exemplo. Mas o que as pessoas que estão fazendo isso pensam de suas vidas? Elas
pensam nas suas carreiras profissionais.
Sim. Muitas pessoas que não eram de classe média prosperaram. Foram consumistas
de certa forma, mas havia a ideia de fazer tudo aquilo em conjunto; houve
movimentos e avanços sociais. Havia pessoas ricas, mas não tantas comparado ao
que existe hoje. Existia mais igualdade, melhor distribuição de riqueza. Mas,
nos anos 1960, começou a destruição gradual dos sindicatos afetando os
movimentos de classe média que tinham sido inspiradores. Quando comecei a
lecionar em Berkeley, grupos iam para o Sul dos EUA para apoiar os negros,
ocorriam protestos contra a guerra do Vietnã, havia uma oposição generalizada
mobilizando a classe média. Não sei se alguma coisa parecida poderia acontecer
agora.
Mais pessoas estão mais preocupadas em olhar para si mesmas. Não estão
inclinadas a se engajar em movimento sociais. O Occupy Wall Street foi uma
tentativa, mas não havia um alvo reconhecível. Pedir para o mercado financeiro
parar o que eles estão fazendo? Eles não param porque há manifestação. É muito
difícil achar um tema que possa se transformar em um movimento social forte nos
EUA. Eu estava em Berkeley quando do movimento pela liberdade de expressão. Em
1968, durante a guerra do Vietnã, houve protestos enormes, a polícia jogou gás
lacrimogêneo, foi uma guerra. Isso é nostalgia. É difícil imaginar isso nos
dias de hoje. Estudantes protestam contra isso ou aquilo, mas geralmente são
temas locais.
Ceticismo é uma palavra que aparece na vida cotidiana. Não se toma nada como
garantido. Na filosofia, tem um significado mais especifico, que não está
desconectado do sentido popular do termo.
A ideia, originária dos gregos, era
olhar com cuidado para as coisas. Na Grécia, havia os que pensavam que existia
uma única maneira de viver -dentro de uma forma muito racional e organizada.
Era preciso achar esses princípios e segui-los para ter uma vida de sucesso. Os
céticos defendiam a ideia de que não há de fato esses princípios, que são, na
maior parte, defensivos. Diziam que alcançavam uma vida diferente daquela forma
racional e ordeira. Que isso lhes dava uma certa paz e satisfação que não era
atingível em outra concepção de vida -que sempre estabelece que é preciso viver
assim ou assado.
Hoje há revistas populares de ceticismo
que geralmente são antirreligiosas. Não é disso que se trata o ceticismo no
terreno da filosofia. O ceticismo como forma de vida não toma as coisas como
garantidas, não há procura de princípios para formas de vida. Falando assim,
parece um discurso dos anos 1960. Você vai com o fluxo das coisas. Em certo
sentido, o profissionalismo na atual vida norte-americana é o oposto do ceticismo.
Hoje o que vigora é o princípio de que o que se deve tentar fazer na vida é
ganhar o máximo de dinheiro. Ficar rico, ter uma família, uma casa grande, tudo
junto. É a ideia de que a vida é uma carreira, esse é o objetivo. O Brasil é
provavelmente o maior lugar para viver a vida que eu conheço. Aqui mais
filósofos e historiadores estão interessados em conhecer o ceticismo.
É o objetivo definitivo do norte-americano: ser um empreendedor. Isso envolve
risco e ousadia e é inatingível para a maioria das pessoas. Bill Gates teve
ideias brilhantes quando era estudante em Harvard. Não se importou em concluir
a faculdade; saiu para colocar suas ideias em prática. Aí surge o pensamento de
que não é preciso ter educação. Mas quantas pessoas são como ele? O
empreendedorismo é parte disso tudo. Agora está no setor financeiro. Você tem
que ser um executivo rico de um fundo como prova o sucesso. É o
empreendedorismo financeiro no lugar do empreendedorismo de negócios
produtivos.
Exato. Essa é a mentalidade norte-americana. É o que falam para as pessoas
pobres, com baixa escolaridade, muitas vezes negros e hispânicos. Que é
responsabilidade delas. Vejam o que eu fiz!
Difícil dizer. As pessoas com muito dinheiro não podem dizer que sofreram muito
com a recessão de 2008 porque os seus bancos foram resgatados com o dinheiro
público. Muitas pessoas perderam seu dinheiro, suas casas e ficaram
desempregadas. Estão desesperadas. Como seria possível colocar essas pessoas
juntas? Qual seria o foco? De outro lado, há pessoas prosperando nos EUA. É o
que se vê nos filmes, que apresentam o modelo para se viver. Olhe para essa
casa!
A filosofia, que é um vasto campo com uma longa história, também está ficando muito profissionalizada. Envolve temas como conhecimento, natureza das coisas, modos de viver, organização da sociedade, política. A filosofia que está sendo feita em universidades quem mais pagaria para ver filósofos filosofarem? seguiu os princípios de organização das ciências. E as ciências tomaram o caminho da especialização. Pessoas trabalham nessa pequena parte da física ou nessa pequena parte do cérebro. Avanços são obtidos assim. Não acho que isso funcione tão bem na filosofia. Professores organizam suas carreiras para produzir o máximo que puderem para demonstrar que são muito ativas. É como a filosofia e outras humanidades estão funcionando. As pessoas escolhem uma pequena área para trabalhar. Um fica especializado em Jane Austen e escreve livros sobre ela. A profissionalização é boa, mas leva a estreitar os assuntos. Pior: as pessoas ficam nesses universos estreitos e não precisam saber de mais nada para fazer o que fazem. É como uma visão dentro de um túnel.
Estou na mesma universidade há mais de 50 anos. Foi o único emprego que eu
tive. Vi que ela mudou tremendamente. Virou uma corporação. A GM é uma
corporação e faz carros. O que a universidade faz? Na universidade, estudantes
entram e saem, mas o foco é na corporação, não naquele produto. Mas temos que
ter estudantes com sucesso. O que são eles? São aqueles que passam pela
universidade e pegam bons empregos, pois obtêm conhecimento técnico. A
universidade tem cada vez mais a função de ser um lugar por onde os alunos
passam quatro anos para entrar no mercado de trabalho.
Sim. Porque muitos sabem o que eles querem saber quando terminarem o curso.
Estão aprendendo habilidades. Isso se enquadra no carreirismo. Não é que tenha
havido um tempo em que não havia o carreirismo. Mas hoje parece que ele é a
única coisa.
Na universidade o salário é bom. Não há praticamente outros lugares para
trabalhar como filosofo. A lógica, um segmento da filosofia, fez parte da
revolução dos computadores. Alguns de meus alunos de lógica, nos anos 1960,
foram por esse caminho, não como filósofos, e fizeram muito dinheiro. Foram
parcialmente fundadores da revolução dos computadores. Nesse sentido, aquele
foi um bom tempo para ser filosofo.
Drasticamente. A atenção das pessoas é menor hoje, elas leem menos. Quase
nenhum dos meus colegas lê livros em papel. Suponho que muitos dos meus alunos
nunca tenham segurando um livro. As pessoas leem na tela. Outro dia um colega
me disse que ninguém lê livros se pode dar um Google. É perturbador. Além
disso, o foco é na cultura visual. Na filosofia, as pessoas dão palestras com Power
Point. Não uso isso.
Sim. As pessoas gastam tempo nenhum em reflexão. Raramente se vê pessoas sozinhas andando sem estar com fones de ouvido, telefones. Vejo isso da janela do meu escritório no campus. Conto quantos estão sozinhos sem falar ao telefone. O número é muito pequeno.
O sr. está otimista ou pessimista?
Sou pessimista. As pessoas vivem melhor do que há 50 anos. Os negros, apesar de ainda estarem pior do que os brancos, vivem melhor. Mas, na vida contemporânea nos EUA, a maioria das pessoas têm vidas menos ricas do que as que viviam confortavelmente há 50 anos. Suas vidas são menos ricas -não economicamente. As pessoas pensam em preencher suas vidas com coisas, não têm interesses variados, veem TV -que é terrível. Ler livros, ver pinturas, escutar música olhar a paisagem, caminhar pela natureza -tudo isso trazia uma vida mais rica do que ficar em frente à TV, falar ao celular, entrar em redes sociais. A amizade mudou. Hoje é clicar no computador. Amizade não é mais uma coisa rica, de falar, olhar e fazer coisas junto.
Minha filha trabalhou numa empresa de
desenvolvimento de programas de computador. Muitos de seus colegas têm em torno
de 20 anos e ganham muito dinheiro. Perguntei a ela o que eles fazem com tanto
dinheiro. Ela me disse: apenas compraram o que seriam brinquedos. Mas
brinquedos grandes: vários carros, barco, sem falar nas traquitanas
tecnológicas. Trabalham muito; não têm tempo para viajar. São apenas crianças
grandes com a chance de fazer o que quiserem. E o que eles fazem é comprar
objetos. É uma vida superficial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário