Este blog compartilha com você política e literatura, duas dimensões essenciais da existência humana.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
O memorável Ernesto Sabato, 99
Em junho Ernesto Sabato, o maior escritor argentino vivo, completou 99 anos de vida. Recluso em sua casa de Santos Lugares, província de Buenos Aires, nem os vizinhos o vêem de 2005 para cá. Os médicos o proibiram de ler e escrever. Então ele passa os dias ouvindo livros pela solidária voz de amigos e colaboradores. Artista plástico, não se sabe se ainda pinta.
Em 1937 Sabato tornou-se doutor em Física pela Universidade de La Plata. Seis anos depois, no entanto, trocou a ciência pela literatura e, mais tarde, também pela pintura. Estava decepcionado com o que considerava o “reducionismo” científico e os “esquemas abstratos da lógica pura”, para ele incapazes de apreender “as regiões mais valiosas da realidade (as mais valiosas para o homem e seu destino)”. Toda a sua obra, portanto, perseguiu a investigação profunda dessas regiões, desses “vastos territórios” recônditos da condição humana, a seu ver interditados para a ciência e férteis para as incursões da arte.
Comunista na juventude, mais tarde existencialista e idealista filosófico, politicamente Sabato manteve-se sempre comprometido com a luta pelos direitos humanos. Na Argentina, dirigiu a pedido do próprio Presidente Raúl Alfonsín, que sucedeu à ditadura militar em 1983, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas. Daí resultou o relatório Nunca Más, conhecido como o Informe Sabato, uma das mais poderosas denúncias sobre o genocídio perpetrado pelos generais durante o regime que se estendeu de 1976 a 1983.
Sabato publicou três romances (O túnel, Sobre heróis e tumbas e Abaddon, o exterminador) e vários livros de ensaios, com destaque para O escritor e seus fantasmas, a autobiografia Antes do fim e, em 2000, aos 89 anos de idade, A resistência, um pequeno – apenas 105 páginas - mas contundente manifesto contra as iniqüidades e impasses civilizatórios do capitalismo em sua fase de decadência, apresentado na forma de seis cartas pessoais ao leitor.
O argentino não revela claramente em quem assesta sua afiada crítica. Chega a afirmar que a crise (sobretudo moral) em que o mundo contemporâneo se debate, e que ele denuncia com tanta precisão, “não é uma crise do sistema capitalista, como muitos imaginam”. Mas é, queira ou não conscientemente o grande escritor portenho, o capitalismo o alvo sobre o qual dirige a bateria de suas denúncias. É fácil perceber no que Sabato mira (repito: consciente ou inconscientemente) uma vez que credita a crise a “toda uma concepção do mundo e da vida baseada na idolatria da técnica e na exploração do homem”. E quando afirma que, na época da qual já se despede (usando, portanto, a maioria dos verbos no passado) “para acumular dinheiro, todos os meios foram válidos”, sendo que tal “busca da riqueza não foi levada adiante em benefício de todos, como país, como comunidade”, tudo parecendo ao “atropelo que se segue a um terremoto, quando, em meio ao caos, cada um tenta saquear tudo o que pode”.
Ora, tal situação, no mundo contemporâneo, é nada mais, nada menos que o capitalismo em decadência.
Ernesto Sabato é remanescente daquela estirpe de intelectuais humanistas e enciclopédicos que, no século XX, e dotados de visão totalizante, ocuparam-se até a medula com o mundo e a marcha da história, angustiados por seus impasses, comprometidos com sua transformação. Que falta nos faz essa gente superlativa!
Por isso não se surpreenda, caro leitor, com a frequente presença dessa estirpe maiúscula de seres humanos nas páginas desse blog. Afinal, o que se pretende aqui é ajudar a marcha civilizatória, a derradeira superação da pré-história humana, a conquista da sociedade de progresso e solidariedade.
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