sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Lula em Paris: imprensa sabuja dá vexame

Lula Doutor Honoris Causa: um cala boca nas elites

Por Ricardo Kotscho

Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?

Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de "O Globo" em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira.

Resposta de Descoings:

"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (...) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade".

A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de "O Globo" às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.

Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.

Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.

"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (...). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado(...).

"Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção", foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: "Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais" (...). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.

"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. "As elites não são apenas escolares ou sociais, disse. "Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas".

No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:

"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados".

Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.

Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do país, a "Folha de S. Paulo", que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:

"AFAGOS - FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado".

Assim como decisões da Justiça, criterios editoriais não se discute, claro.

Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de "O Globo" pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:

"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris - o Sciences- Po _, na França, para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, "para não dizer que eu não falei das flores.
"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade".
Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:

"Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive".

Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Compañero Allende! Presente! Ahora y siempre!


Capacete, fuzil e sonhos: a epopéia de Salvador Allende não nos abandona

Mais uma vez quero lembrar um 11 de setembro que a mídia hegemonizada pelos interesses norte-americanos quase nunca menciona: o 11 de setembro de 1973, quando a direita chilena, sob o comando do sinistro General Augusto Pinochet e ostensivo apoio do governo dos Estados Unidos, derrubou o governo constitucional da Unidade Popular, presidido por Salvador Allende.


Nos anos seguintes, a ditadura pinochetista assassinaria mais de três mil chilenos por razões políticas e mandaria outros dez mil aos cárceres, à tortura e ao exílio.


Ao reverenciar a figura maiúscula de Salvador Allende, penso em quantos milhares de latino-americanos foram mortos, presos, torturados e exilados nas ditaduras por aqui implantadas nos anos 60 e 70, todas – rigorosamente todas – com apoio ostensivo do governo dos Estados Unidos (inclusive treinando torturadores).


Penso ainda nos 140 civis mortos em Hiroshina, no massacre atômico perpetrado pelos Estados Unidos em seis de agosto de 1945, e no de Nagasaki, três dias depois, que matou 80 mil civis. Penso nos quase três milhões de vietnamitas que os militares norte-americanos chacinaram (inclusive mediante armas químicas e bacteriológicas) durante aquela guerra tenebrosa dos anos 60 e 70. Penso nos 100 mil civis iraquianos que pereceram em sete anos da guerra promovida pelos Estados Unidos.


Penso nessas tragédias colossais e me pergunto: será que isso não passa pela cabeça da sociedade norte-americana que, neste 11 de setembro, só pensa no ataque ao World Trade Center? Um ataque terrível, é verdade, condenável sob todos os aspectos, que deve ser lembrado. Mas o que o governo dos Estados Unidos faz, com apoio de expressiva parcela da sociedade, é apresentar o ataque como a grande tragédia da História, ocultando suas responsabilidades sobre outras tragédias, bem maiores, bem mais trágicas.


Mas os norte-americanos – ao menos sua maioria – foram adestrados para um auto-referenciamento enfermiço, cujo paroxismo, nos dias atuais, beira o autismo, que tem o resto do mundo apenas como o “resto do mundo”, que eles pouco conhecem e, no fundo, desprezam, porque hostil ao destino messiânico do qual se consideram investidos.


Eu aqui reverencio as vítimas do Estado imperialista norte-americano, na figura superlativa de Salvador Allende, imolado no Palácio de La Moneda em 11 de setembro de 1973. E o faço repetindo texto que publiquei neste blog no ano passado. Dele nada tenho a acrescentar, nem a subtrair.


Compañero Allende! Presente! Ahora y siempre!

Há exatos 37 anos, a morte trágica do Presidente chileno Salvador Allende, lutando no Palácio de La Moneda contra as hordas fascistas do soturno General Augusto Pinochet, encerrava com heroísmo e sangue uma singular tentativa de caminho para o socialismo e, ao mesmo tempo, inaugurava uma das ditaduras mais cruentas da América Latina.

Eleito em 1970, após três tentativas de chegar à Presidência, o médico e líder socialista Salvador Allende Gossens liderou o governo da Unidade Popular, incluindo socialistas, comunistas e outros segmentos da esquerda chilena. Partidário da possibilidade de instaurar o socialismo a partir das urnas, no contexto mesmo da democracia burguesa, Allende conduziu seu governo por um caminho que não considerava nem reformista, nem social-democrata, mas de democratização radical de todas as esferas da vida social. Era o que entendia como o grande eixo da transformação, o rumo para resolver o complexo e estratégico problema do poder político, o caminho para o socialismo chileno que, num discurso de maio de 1971, definiu como “libertário, democrático e pluripartidário”.

Assim, expropriou terras e iniciou a socialização de importantes empresas privadas, que passaram à direção de cooperativas de trabalhadores, nacionalizou as minas cobre, sem o pagamento de indenizações às empresas norte-americanas que até então detinham o controle dessa área estratégica, subsidiou parte dos serviços básicos e apoiou organizações populares da cidade e do campo em suas demandas de participação. Em resposta, o povo o apoiou. Nas eleições parlamentares de 1971 e nas municipais de 1973, os partidos integrantes da Unidade Popular cresceram em votos. Mas a direita também respondeu aos avanços sociais do governo com uma oposição cada vez mais virulenta.

Conspiração

Aliás, a reação conservadora havia se instalado antes mesmo de Allende assumir a Presidência. A pequena vantagem do socialista diante dos outros concorrentes conduziu a decisão para o Congresso. Somente após exaustivas negociações, sobretudo com a democracia-cristã do Presidente Eduardo Frei, é que Allende foi proclamado Presidente da República, em 24 de outubro de 1970. A direita tentara evitar a eleição com o expediente de sempre, unindo estardalhaço e tramas golpistas. Um comando de sua ala mais extremista assassinou o comandante do Exército, General René Schneider, decidido partidário da subordinação do poder militar ao civil. Objetivo: instalar o medo e a insegurança no país, sobretudo em suas camadas médias, tumultuar o processo eleitoral, criar pretexto para intervenções. Não conseguiu. Mas persistiu.

Em duas frentes a direita cumpriria seu destino. Na legal, tentando cercar o governo no parlamento; na ilegal, desencadeando sabotagens (dinamitou torres de alta tensão e linhas férreas), boicotes, desabastecimento dos gêneros de primeira necessidade. Também o governo estadunidense cumpria seu destino de permanente inspiração reacionária e golpista, participando ativamente – inclusive com recursos financeiros – do complô direitista contra a Unidade Popular. Já em outubro de 1970, portanto antes mesmo da posse de Allende, o embaixador em Santiago, E. Korry, garantia em carta a Eduardo Frei: "Deve saber que não permitiremos que chegue ao Chile um parafuso, nem uma porca... Enquanto Allende permanecer no poder, faremos tudo ao nosso alcance para condenar o Chile e os chilenos às maiores privações e misérias...".

Bloqueado pelos Estados Unidos e sob rigoroso boicote da direita, o governo via a produção se bens ser drasticamente reduzida e ainda enfrentava uma corrosiva alta inflacionária. Criou-se uma situação de desabastecimento que gerou imensas mobilizações a favor e contra o governo. A famosa greve geral dos transportes, organizada e financiada pela burguesia chilena, com apoio irrestrito da CIA, praticamente inviabilizou o trânsito de bens pelo país. Por seu turno, setores mais à esquerda da Unidade Popular radicalizavam seu discurso, chegando a propor a Allende o fechamento do Congresso e o uso de medidas excepcionais para poder governar. O país estava cindido. A luta de classes ganhava as ruas.

Mas o Presidente resolveu negociar, convidando líderes militares para compor o gabinete e oferecendo a realização de um plebiscito em que os chilenos optariam por continuar ou não o regime, podendo, inclusive, votar pela convocação de novas eleições. Mas nada disso arrefeceu a crise. O lobo faminto da direita exigia a cabeça de Allende que, diante das intransigências da oposição, decidiu cercar legalmente alguns dos seus setores mais radicais. Ao mesmo tempo, enfrentava grupos de esquerda que lhe cobravam rupturas. Os impasses se sucediam.

Golpe à vista

Num certo momento, a também oposicionista democracia-cristã aliou-se à direita para preparar o golpe de estado. Uma primeira tentativa ocorreu em junho de 1973, o chamado El Tancazo, quando um regimento de blindados de Santiago ergueu-se contra o governo, sendo, no entanto, contido. Finalmente, em 11 de setembro, sob o comando do General Augusto Pinochet, as forças armadas cercaram o Palácio de La Moneda. Allende rejeitou o ultimato da rendiçã.. O palácio foi bombardeado. O velho socialista, então com 65 anos, mandou que os funcionários deixassem a sede do governo. E lá se manteve na companhia de alguns correligionários mais próximos, em meio aos balaços de fuzis, metralhadoras e canhões do fascismo e ao ruído ensurdecedor dos raides, à poeira vulcânica das explosões. As 9h20min daquela manhã de 11 de setembro de 1973, em que a sorte do Chile estava sendo dramaticamente lançada, Allende se aproveitou da rádio Magallanes, a única ainda ao seu alcance, para transmitir ao povo chileno a mensagem derradeira. Sua voz serena e firme impôs-se aos ruídos dos bombardeios, das correrias e gritos da resistência em palácio:

"Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende se impor, será superado. Sigam sabendo que muito mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem [livre] digno que quer construir uma sociedade melhor...”.

E lá morreu, vestindo um capacete militar e portando o fuzil que lhe fora presenteado por Fidel Castro. Vitorioso, o golpe arrastaria o Chile para as sombras do terror. Até sucumbir, 16 anos depois, a ditadura pinochetista assassinaria mais de três mil chilenos por razões políticas e mandaria outros dez mil aos cárceres, à tortura e ao exílio.

O corpo de Salvador Allende foi depultado num túmulo modesto do cemitério de Viña del Mar, no litoral, sem sequer uma placa que o identificasse. Ali repousou por quase 18 anos. Somente em 1990, por ordem do Presidente Patricio Aylwin, o primeiro mandatário chileno da era democrática pós Pinochet, recebeu um novo funeral, desta vez no Cemitério Geral de Santiago, com as devidas honras de chefe de Estado. Em 2000, Allende ganhou uma grande estátua de corpo inteiro diante do restaurado palácio de La Moneda.

Exames e conclusões

Fica para os cientistas políticos e historiadores colocar sob os crivos da ciência os amplos e profundos significados da obstinada e heróica tentativa de Salvador Allende de transitar para o socialismo sem as necessárias rupturas estruturais. Houve, talvez, ilusões demais, num mundo sob o tacão da Guerra Fria e numa América Latina aprisionada por ditaduras militares. Talvez alguns tenham sido voluntaristas demais, alheios à correlação de forças. Ou, quem sabe, tímidos demais diante da luta de classes que avançava, virulenta, pelas ruas. Que o digam os estudiosos. De todo modo, foram todos heróicos combatentes.

O mundo mudou nesses quase 40 anos. O capitalismo derrotou as primeiras experiências socialistas do século XX. A América Latina também mudou, varreu os regimes militares e, após sofrer as agruras do neoliberalismo, voltou-se quase toda ela para a esquerda. Há países, como a Venezuela e a Bolívia, cujos governos eleitos reivindicam a construção do socialismo a partir das superestruturas políticas e ideológicas do capitalismo. Experiências a serem observadas, essas sob a liderança de Chavez e Evo.

Mas, repito: aos estudiosos a missão do exame e das conclusões. Aqui, modesto escrita, reportei o que assisti, jovem e ainda que à distância, exultando com os chilenos pela vitória de Allende, amargando com eles a crônica perversa de sua derrota.


Leia a seguir a derradeira mensagem de Salvador Allende aos chilenos, na manhã de 11 de setembro de 1973, quando o palácio de La Moneda já estava sob o bombardeio dos fascistas.

Compatriotas:


Esta será seguramente a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A aviação bombardeou as antenas da Radio Portales e Radio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção, e elas serão o castigo moral para os que traíram o juramento feito: soldados de Chile, comandantes-em-chefe titulares e mais o almirante Merino, que se autodesignou, e o senhor Mendoza, esse general rasteiro, que ontem me manifestara sua fidelidade e lealdade ao governo.


Frente a estes fatos, só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar!


Colocado neste transe histórico, pagarei com minha vida a lealdade do povo, e digo-lhes que tenho certeza que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser apagada definitivamente. Eles têm a força, mas não se detêm processos sociais pelo crime e pela força. A História é nossa, ela é feita pelos povos. Me dirijo ao homem chileno, operário, camponês, intelectual, àqueles que serão perseguidos porque em nosso país o fascismo já se faz presente há algum tempo em atentados terroristas, sabotagens de estradas de ferro e pontes, oleodutos e gasodutos.


Frente ao silêncio dos que tinham a obrigação ... [interrupção momentânea da transmissão da Radio Magallanes] - ... a que estavam submetidos. A História os julgará.


Seguramente, Radio Magallanes será calada e o metal tranqüilo da minha voz não chegará mais a vocês... Não importa ... Não importa, vocês seguirão me ouvindo, estarei sempre junto de vocês, pelo menos minha lembrança será de um homem digno, leal à lealdade dos trabalhadores.


O povo deve se defender, mas não se sacrificar. Não deve deixar-se arrasar nem crivar de balas, mas tampouco pode se deixar humilhar.


Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende se impor, será superado. Sigam sabendo que muito mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem [livre] digno que quer construir uma sociedade melhor...


Viva Chile, viva o povo, vivam os trabalhadores... Estas são minhas últimas palavras ... Tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão, tenho certeza de que pelo menos será uma lição moral que castigará a felonia, a covardia e a traição....









sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ho Chi Minh, inspiração presente




Quando as tropas da Frente de Libertação Nacional do Vietnã irromperam em Saigon, em 30 de abril de 1975, expulsando os invasores norte-americanos do então Vietnã do Sul, Ho Chi Minh já havia morrido. As complicações da tuberculose adquirida ainda aos 24 anos e o desgaste provocado por décadas de lutas ásperas e contínuas haviam derrubado o velho revolucionário, líder histórico dos bravos vietnamitas, aos 79 anos, em dois de setembro de 1969.

A morte impediu Ho Chi Minh de cumprir o que prometera em seu brevíssimo testamento político, redigido meses antes: após a vitória final, “percorrer todo o país, de sul a norte, para felicitar nossos compatriotas, os nossos quadros e os nossos combatentes heróicos e visitar os nossos velhos, os nossos jovens e as nossas criancinhas bem amadas” e ir “aos países irmãos do bloco socialista e aos países amigos do mundo inteiro para lhes agradecer por terem ajudado de todo o coração a luta patriótica do nosso povo contra a agressão americana”.

Separam-nos exatos 42 anos da sua morte. Mas, como vive! No Vietnã, sobretudo, mas também no mundo, estão presentes a imagem, a lembrança e os ensinamentos daquela figura maiúscula, cuja dimensão histórica contrastava tanto com o corpo magérrimo, uma espécie de asceta da revolução que ocupava apenas dois quartos modestamente mobiliados do palácio presidencial de Hanói, vestindo a mesma sandália e a túnica gasta, dormindo em cama sem colchão.

Guerrilheiro, intelectual e poeta, carinhosamente chamado de Tio Ho pelas crianças e jovens do Vietnã, Ho Chi Minh marcou o século XX e ganhou a admiração e o respeito do mundo com sua figura proeminente de revolucionário que se pôs à frente de seu povo para derrotar dois poderosos agressores, primeiro os franceses, depois os norte-americanos.

Da cabana de palha ao mundo

Ao nascer, em maio de 1890, numa cabana de palha de Kiem Lan, pequena aldeia da província de Nghè An, no Vietnã Central, recebeu o nome de Nguyeb Sinh Cung. Ao longo de sua longa vida de revolucionário, no entanto, usaria mais de dez nomes, entre os quais Nguyen Tat Thanh, Nguyen Ai Quoc e Ly Thui. Por fim, cunhou o pseudônimo definitivo de Ho Chi Minh, que significa "aquele que ilumina".

Ainda muito jovem, tornou-se professor de escola média. Mas logo ganhava o mundo como aprendiz de cozinheiro num navio francês, conhecendo vários países, inclusive o Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. Em 1917, fixou-se em Paris, onde foi jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro. À noite, devorava Tolstoi, Shakespeare, Victor Hugo, Anatole France, Émile Zola e Marx. Aprendeu (e falou fluentemente) francês, inglês, alemão, russo e chinês. E escreveu versos. Ali entrou em contato com anarquistas, socialistas e comunistas, tomou conhecimento da vitória do socialismo na Rússia e das posições de Lênin e tornou-se marxista-leninista e membro do Partido Comunista Francês.

Desde cedo Ho Chi Minh ocupou-se, particularmente, da questão da luta anticolonial e da autodeterminação dos povos, dentro de uma perspectiva de luta socialista. Este, aliás, foi o tema do seu informe durante o V Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscou em 1924, dias após a morte de Lênin. Nessa estada em Moscou, conheceu os dirigentes comunistas brasileiros Astrogildo Pereira e Rodolfo Coutinho, ali presentes para buscar o reconhecimento do Partido Comunista do Brasil junto a Terceira Internacional Comunista.

Em 1930, Ho Chi Minh fundou o Partido Comunista da Indochina, unificando, para tanto, os três grupos comunistas existentes no País. No texto Apelo por motivo da fundação do Partido Comunista da Indochina, escreveu:

“Operários, camponeses, soldados, jovens, estudantes! Camaradas compatriotas oprimidos e explorados! O Partido Comunista da Indochina formou-se. É o partido da classe operária. Sob a sua direção, o proletariado dirigirá a revolução no interesse de todos os oprimidos e explorados”.

Vitórias

Durante a Segunda Guerra Mundial, junto com seus companheiros mais próximos, Pahm Van Dong e Nguyen Giap, dirigiu a luta contra os japoneses. Em 1941, foi criada a Liga pela Independência do Vietnã (Viet Minh) e, refletindo as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, convocada uma Frente Nacional constituída de operários, camponeses, pequeno-burgueses e ainda da burguesia nacional e de latifundiários anticolonialistas.

Ho Chi Minh e os comunistas vietnamitas lutaram duro. O general Vo Nguyen Giap (o grande artífice da vitória militar de seu país contra os colonialistas franceses e norte-americanos, que há dias completou 100 anos) recorda-se daqueles tempos de combate aos japoneses nas selvas tropicais do Vietnã: “Esta vida de clandestinos acossados era extremamente dura. Para conservar uma boa saúde, condição primordial de um bom trabalho, o Tio Ho observava regras muito estritas. Levantava-se muito cedo. Todos os dias era ele, invariavelmente, quem nos acordava. Fazíamos, em conjunto, alguns movimentos de cultura física; depois começava o dia de trabalho. À noite, carecidos de petróleo para os candeeiros, nos reuníamos em volta de fogueira. As horas das refeições eram também escrupulosamente respeitadas, mas a alimentação era bem escassa”.

Ho Chi Minh dizia sempre: “É preciso primeiro conquistar o povo antes de abordar o problema da insurreição”. Assim, o revolucionário mantinha-se em estreito contato com sua gente. Lembra-se Giap que seu camarada de armas “ia freqüentemente visitar os velhos e ensinar a ler os mais jovens. Gostava muito de crianças. Com a sua veste anilada, à moda das minorias Tho, poderia ser tomado por um camponês da região. O povo chamava-lhe respeitosamente ong ke, qualificação reservada aos anciãos da aldeia.”

A vitória da União Soviética sobre a Alemanha e o enfraquecimento do Japão animaram os revolucionários vietnamitas a iniciarem a insurreição que levaria, em dois de setembro de 1945, à ocupação de Hanói e à proclamação da independência do Vietnã. Mas três semanas depois o Corpo Expedicionário francês, auxiliado e financiado pela Inglaterra, abriu fogo contra Saigon, no Sul. Tem início nova guerra de libertação nacional, que duraria nove anos e resultaria, afinal, na derrota completa dos colonialistas franceses na histórica batalha de Dien Bien Phu.

Norte e Sul

Em julho de 1954 os Acordos de Genebra restabeleceram a paz na Indochina, mas decidiram dividir o Vietnã em dois estados independentes: Vietnã do Norte (com Ho Chi Minh na Presidência) e Vietnã do Sul (com o imperador Bao Dai no poder). E marcaram eleições livres para reunificação do país em dois anos, com supervisão internacional do cessar-fogo.

Enquanto no Vietnã do Norte o socialismo era construído (com progressos espetaculares, sobretudo na industrialização, na produção agrícola e na erradicação do analfabetismo e várias epidemias), no Sul, agora sob o mando de Ngo Din Diem, mais e mais soldados norte-americanos ali desembarcavam e pipocavam sabotagens, provocações e incitações à divisão dos vietnamitas. Em setembro de 1960, surge a Frente Nacional de Libertação (FNL) que conta com a participação de nacionalistas e comunistas organizados à distância por Ho Chi Minh.

Como Diem não estava conseguindo impedir o avanço da FNL, o imperialismo norte-americano lhe deu um fim radical: a morte. Mas nada disso suavizou a perspectiva de derrota dos ocupantes do País. Ho Chi Minh garantia: “Quanto mais agressivos se mostrarem, mais agravarão o seu crime. A guerra poderá prolongar-se ainda por cinco, dez, vinte anos ou mais; Hanói e Haiphong e outras cidades e empresas podem ser destruídas, mas o povo vietnamita não se deixará intimidar. Nada há de mais importante que a independência e a liberdade. Após a vitória, o nosso povo retomará nas suas mãos a reconstrução do país e torná-lo-á maior e mais belo.” A vitória ainda demoraria alguns anos, vindo apenas em 30 de abril de 1975, quando as tropas revolucionárias tomaram Saigon, a capital do Vietnã do Sul, que logo em seguida se tornaria cidade de Ho Chi Minh.

Inspiração

Foram cerca de cem anos de ocupação do País. Primeiro os franceses, depois os japoneses, novamente os franceses e por último os norte-americanos. Na luta titânica contra o colonialismo e a agressão imperialista, o povo vietnamita vincou na história da Humanidade um exemplo comovente de patriotismo e luta pela libertação de seu País. Nas últimas décadas dessa trajetória heróica a presença e liderança de Ho Chi Minh foram fundamentais. Líder com a estatura da história, dele já disseram. Obstinado em ocupar-se inteiramente, incondicionalmente com o mundo e os homens, desviou-se das desimportâncias mundanas, das pequenezas de espírito, fundido com profunda radicalidade aos dilemas essenciais da existência humana. Trabalhou com persistência e simplicidade, sempre sensível ao nível de consciência e aos reclamos de sua gente.

Bom seria se as novas gerações (que estão se formando e carecem de inspirações modelares) prestassem mais atenção a figuras maiúsculas como a de Ho Chi Minh, não no sentido de cópia de personalidade ou de reprodução de circunstâncias históricas irrepetíveis, mas como absorção de certos traços morais basilares, do desprendimento, da sensibilidade que o conduziu à poesia, da profunda consciência de seu tempo e seus desafios, da capacidade de entregar-se conscientemente à epopéia libertadora do seu povo.